REFLEXÃO DE ANTONIO LISBOA
Na dialética que se faz o mundo, onde os opostos mais se complementam do que se negam, fato que alguns ainda insistem em chamar de "contradição", muitas vezes quem pode pouco faz muito e quem pode quase tudo opta por ser um quase nada. O Brasil, mais uma vez, perdeu uma chance histórica. O momento atual é de crise mundial com enormes desafios pela frente (políticos, econômicos, sociais e culturais), mas a década anterior não foi assim: tivemos uma oportunidade extraordinária de nos fortalecer para o que vem pela frente a qual jogamos fora com o sorriso frágil de personagens de uma propaganda de cerveja. Enquanto grande parte do continente latino-americano soube aproveitar a chegada da esquerda ao poder, o Brasil dormiu no ponto, alheio ao bonde que partia cada vez mais longe. Enquanto países como Venezuela, Bolívia, Equador, Argentina, Nicarágua e República Dominicana investiram, em diferentes graus, na construção de um poder popular consciente de suas responsabilidades e potencialidades históricas, através do contato direto entre governo e sociedade, politizando e fortalecendo a consciência dos mais pobres, o Brasil optou por um pragmatismo voltado para uma tal "governabilidade", a ser construída não a partir da aliança com o povo, mas através de acordos e negociatas com o velho poder constituído (congresso corrupto, grandes bancos, empreiteiras e oligopólio midiático). Enquanto nossos vizinhos tiveram a coragem e a sabedoria de democratizar a mídia e estabeleceram toda uma nova forma de comunicação independente com a sociedade, através de novas leis de meios e da criação de todo um sistema de TVs públicas e comunitárias, o Brasil não alterou um milímetro seu império midiático privado e, ao contrário, ainda o fortaleceu com todo tipo de garantias legais e muitos bilhões em verbas publicitárias. Desmoronado o falso castelo da "governabilidade", o que resta agora são as ruínas de uma sociedade em transe, onde reina a desesperança, a distopia, o descrédito generalizado, e um vazio de identificação coletiva sem precedentes. Matéria farta para o avanço do fascismo, a esquizofrenia política é o que resta inviabilizando a construção de qualquer projeto em meio à completa crise de valores e ausência de rumo. O maior capital de um povo são seus sonhos. Um povo sem sonhos se torna refém de seus próprios pesadelos. Sem projeto de nação livre e sem valores socialistas consolidados, nossa meta se tornou a idade média, e estamos a um passo de alcançá-la! E enquanto matamos nossos índios, queimamos as novas bruxas, exorcizamos os diferentes, fuzilamos os pretos, xingamos os sem terra e apedrejamos ladrões de bicicleta, o diabo segue engravatado e sorridente no poder com seus tentáculos de máfia a controlar os três poderes. Se antes, éramos "sem medo de ser feliz", hoje lutamos apenas pra poder existir e respirar. A melhor forma de se controlar uma multidão de escravos é destruir sua capacidade de sonhar. Esse foi o preço da tal "governabilidade". Sem identidade e projeto coletivo, o que era sonho coletivo de liberdade agora resta como mero aglomerado de projetos individuais de capitães do mato.
Antonio Lisboa
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