Quem são os poderosos?

“(…) No Brasil, a ação social e econômica dos poderosos fundamenta-se em torno do aparelho de Estado, como forma direta e indireta de controles do fluxo de informações, capitais e privilégios essenciais para a reprodução ampliada da classe dominante. O mesmo vale em outro sentido: a pobreza, a carência e a miséria também podem ser consideradas produtos da falta de políticas sociais de Estado. Pobreza e riqueza, poder e carência são diferentes lados da mesma moeda social, econômica e política.” (1)
Partindo dessas premissas, o professor Ricardo Costa de Oliveira se lança numa busca verdadeiramente extraordinária dos elementos que permitam desvendar a natureza quase sempre obscura dos donos do poder. Tomando como ponto de partida as condições presentes no Estado do Paraná, seu principal objeto de estudo, ele desenvolve um quadro analítico apoiado em farta fundamentação histórica, que facilita a sua ampliação para outras regiões do País.
Ao avançar a sua compreensão sobre os meandros da estrutura de poder que prevalece entre nós, desnuda alguns mitos tão frequentemente difundidos de que essa elite de poderosos retira a sua força de princípios tais como “a modernidade, a racionalidade, a adesão a valores e práticas de um capitalismo regido pelos princípios da impessoalidade e da eficiência”. Nunca será demais lembrar que na última campanha eleitoral houve um candidato que bradou aos quatro ventos o seu mantra favorito: “meritocracia”. Esse tipo de suposição, de que somente os méritos pessoais de cada um representam a sua ponte exclusiva para a ascensão e o sucesso, ainda engana um bocado de gente.
De fato, famílias, riqueza e poder, isto é, oligarquias poderosas com ampla influência sobre todas as esferas políticas do Estado (inclusive o judiciário, além do legislativo e do executivo) representam a verdadeira face do domínio secular que prevalece no Brasil, de norte a sul. Apesar desse poderio espetacular, passado de geração a geração, esses grupos tendem a ser significativamente silenciosos. O alarde não faz parte de sua conduta regular. Ao contrário, mesmo quando seus membros estão em evidência, fazem um esforço permanente e sério para manter com discrição as bases do seu poder. E sabem muito bem os objetivos que devem preservar.
“Grosseiramente, as oligarquias brasileiras baseiam-se em 500 famílias. É nelas que está a estrutura fundamental do poder no país. Delas, 250 estão no Nordeste e 250 no Centro-Sul. Não se pode dizer que elas governem o Brasil, nem que tenham o mesmo poder nas diversas regiões. Apenas têm poder. (…) Você encontra a oligarquia ao lado do progresso, mas não vai encontrá-la ao lado da ampliação da cidadania. São silenciosos, burocratas e progressistas, mas conservadores na questão dos direitos dos cidadãos. Seu compromisso essencial é a defesa da ordem.” (2)
Ora, o que seria a ordem senão esse estado de coisas que conserva tudo exatamente como está? Em especial, do ponto de vista do equilíbrio social. Manter a ordem, em outras palavras, significa preservar o status quo, garantir que as bases econômicas e sociais se perpetuem de modo a prosseguir na mesma trajetória ascendente e excludente. Quando perguntado se essa sua tese não se aplicaria a qualquer país, o professor Ricardo Costa de Oliveira argumentou que não. De fato, essas características estão mais presentes em sociedades pouco permeadas pela mobilidade, nas quais se solidificam estruturas de poder bastante antigas e, ao mesmo tempo, restritas (e restritivas).
“(,,,) Aplica-se a inúmeras nações europeias, mas não se aplica de modo algum aos Estados Unidos. (…) Poucos presidentes americanos têm uma genealogia parecida com a de Fernando Henrique Cardoso, filho, neto e bisneto de militares de alta patente.” (2)
Não é de estranhar, portanto, que iniciativas recentes destinadas a mexer nessas bases fundamentais tenham despertado tamanho horror nesses grupos. Por mais leve e sutil que seja, qualquer tentativa de expandir os direitos sociais tende a ser vista como muito ameaçadora. Justamente, porque pode alterar os elementos basilares que dão suporte e sustentação a essas estruturas de poder, impermeáveis à entrada de “estranhos”. Elas funcionam como verdadeiras reservas de mercado: pertencem, em caráter exclusivo, aos membros dessas oligarquias, por afinidades ou por parentesco. Somente os escolhidos, os indicados, os preferidos podem aspirar a reais condições de comando dentro dessas estruturas. Aos outros, ficam reservadas as posições de subalternidade e de dependência, nas quais se sujeitam a obedecer e a servir. Jamais a mandar ou a decidir!
“A estrutura de poder não é uma abstração, ela se materializa em situações objetivas de posse de riqueza, se reproduz e se consolida graças a redes políticas, sociais e de parentesco. As redes políticas de poder são definidas neste artigo como conexões de interesses envolvendo, basicamente, empresários e cargos políticos no aparelho de Estado, no executivo, no legislativo e no judiciário e, também, em outros espaços de poder buscando assegurar vantagens e privilégios para os participantes. Além da ideologia que lhe reforça a legitimidade, as redes podem utilizar artifícios tais como o nepotismo, o clientelismo e a corrupção.” (1)
Disso resulta que toda e qualquer medida destinada a furar esse bloqueio de acesso ao poder, que define as políticas de Estado e direciona os recursos públicos para este ou aquele fim, tende a repercutir de modo muito negativo dentro dessas esferas que controlam efetivamente o mando na República. Tais oligarquias não admitem ser desafiadas, não aceitam condicionar o seu domínio exclusivo a este ou àquele fator. Pretendem manter com mão de ferro todas as prerrogativas que o tempo, o nascimento e os conchavos lhes deram como se fosse por direito. Quase um direito divino.
Referências:
Ricardo Costa de Oliveira*. O silêncio dos vencedores. Curitiba: Moinho do Verbo, 2001.
(1) Ricardo Costa de Oliveira. “Famílias, poder e riqueza: redes políticas no Paraná em 2007. http://www.sociologia.seed.pr.gov.br/modules/noticias/article.php?storyid=185
(2) Ricardo Costa de Oliveira. Entrevista. Folha de São Paulo, 21 de abril de 2002. www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc2104200225.htm
*Professor da Universidade Federal do Paraná