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sexta-feira, 26 de maio de 2017

O MOVIMENTO NAS REDES

Os trabalhadores não reivindicam a "baderna".É coisa gratuita, irracional e fútil. O movimento social organizado, em especial os sindicatos, atuam de modo mais prudente e processual.
A legitimação da baderna como método e tática, dá crédito  às acusações do governo, dos seus lacaios no parlamento, e da mídia, contra os sindicalistas, responsabilizando-os pelo vandalismo e depredações perpetradas em Brasilia
Os trabalhadores se deslocaram de diversos pontos do país juntamente com suas direções sindicais, até à capital federal, com o objetivo de protestar contra  as reformas que Michel Temer tenta impor a todo custo; e ao mesmo tempo,  exigir o fim do seu governo em razão das evidências de crimes praticados por ele inclusive no exercício do mandato usurpado de Dilma Roussef.
Lideranças sindicais e parlamentares presentes no ato na Esplanada  denunciaram amplamente o grupo de mascarados que  provocavam a polícia, assim como a reação desmedida das forças de repressão. Em lugar de avançar sobre os provocadores, e dispersa-los, reagiu agredindo com força a maioria que participava do ato pacificamente.
Quem são aqueles por baixo das máscaras? Por que e em nome de que escondem seus rostos?
A rigor, nem podemos chamá-los de black blocs. A começar que não se trata de um partido ou movimento, mas de uma tática. Existem agrupamentos politicos de esquerda que adotaram a tática como uma forma de ação direta legítima a ser utilizada nos confrontos com a repressão. Atribuem-na a anarquistas, seja lá o que ainda se pode entender por isso. Portanto, por baixo da máscara pode ser que se encontre um militante radicalizado do PSOL  ou do PSTU; um anarquista ou um avulso sem partido ou ideologia que o guie. Mas pode ser também um  policial, ou um mercenário qualquer pago para chafurdar uma manifestação.
É difícil se ter o controle daqueles que participam de uma manifestação. Mas não e impossível. Não custa aos organizadores orientar as pessoas que participam de uma manifestação no sentido de denunciar junto a eles a presença de mascarados  que deve ser repelido por equipes responsáveis  pela segurança do ato.
Não adianta ficar especulando, Seja qual for as razões de um black blocs,  o importante é que não se tolere mais a presença de quem faça uso dessa tática nos movimentos sociais organizados.
http://justificando.cartacapital.com.br/2017/05/25/manifesto-em-prol-da-baderna-em-brasilia/

A POLÊMICA SOBRE OS BLACK BLOCS


Black-blocs: um desafio à democracia e ao jornalismo

Ocupa Brasília - 25/05/07 - Foto: Francisco Proener Ramos
Ocupa Brasília - 25/05/07 - Foto: Francisco Proener Ramos

Marcelo Auler

Ocupa Brasília - 25/05/07 - Foto: Francisco Proener Ramos
Ocupa Brasília – 25/05/07 – Foto: Francisco Proener Ramos
O que realmente existe atrás das máscaras dos, aparentemente jovens – ou mesmo “moleques” -, como preferem alguns, que mais do que marcar presença em atos públicos, deixam rastro de vandalismo por onde passam? Legitimamente eles também  têm direito a se manifestar. O problema é que o tipo de manifestação deles acaba por afetar – e, normalmente, dissolver – a manifestação de um grupo ainda maior.
Estes grupos, genericamente denominados Black-blocs, tornaram-se um desafio (ameaça?) à democracia, na medida em que são apontados como responsáveis pelo chamado vandalismo ou pelo enfrentamento à polícia. Geram o tumulto, provocam a reação desmedida que a polícia sempre está pronta a (e ansiosa por) cometer e isso dispersa qualquer manifestação.
Entender o que eles querem e porque agem assim é algo que ainda não se conseguiu fazer. Em 2013, na época das manifestações pelo Passe Livre, em São Paulo, quando começaram a surgir, Paulo Cezar Monteiro, na edição 125 da Revista Fórum, escreveu Black Bloc: “Fazemos o que os outros não têm coragem de fazer”. A chamada da reportagem dizia: “Eles afirmam não temer o confronto com a polícia e defendem a destruição de “alvos capitalistas””.
Declaram-se anarquistas, mas nem sempre são capazes de definir o que realmente desejam ou pensam. Embora o Anarquismo seja uma ideologia e uma posição política, muitos deles não têm consciência do que, teoricamente, apregoam. Fica evidente que muitos deles não possuem nenhuma proposta concreta a não ser a destruição do que está aí. Posicionam-se contra sindicatos, centrais sindicais e partidos políticos, mas não apresentam nada que os substituam, ou qualquer ideia para unificar um grupo, uma categoria, seja o que for. Afinal, discordam da representatividade. Não têm uma pauta daí sobressaindo pura e simplesmente o “Fora governo”, acoplado ao vandalismo. Isto ficou claro em entrevista de Roberto Cabrini (veja abaixo), em julho de 2014, ao questionar um deles como seria o país que desejam.
Mas o vandalismo que apregoam e incentivam não pode ser respondido por outro vandalismo. Menos ainda um vandalismo oficial, que ataca pessoas, indiscriminadamente, sejam black blocs ou cidadãos que apenas foram às ruas protestar pacificamente. Ao justificarmos o combate a qualquer preço àqueles que depredam e quebram tudo estaremos defendendo o vandalismo de forças oficiais que agride – desmedidamente, repita-se, como ficou claro em Brasília -, os cidadãos, ou os “corpos”, como muito bem colocado pela brilhante Eliane Brum.
Ela, na quinta-feira (25/05), no El País, abordou esse assunto de forma clara em Black Blocs, os corpos e as coisas. Mostrou o risco de a sociedade, na sua maioria, condenar esses grupos por “quebrarem bens materiais”, enquanto se cala quando as forças policiais, ao atacarem manifestantes – e não apenas os black blocs -, “quebram corpos”:
Ocupa Brasília - 25/05/17 A repressão policial acaba reagindo de forma desmensurada. Foto: Francisco Proener Ramos
Ocupa Brasília – 25/05/17 A repressão policial acaba reagindo de forma desmesurada e indiscriminada. Foto: Francisco Proener Ramos
“Os black blocs, que apanham tanto de tantos lados, podem ser uma chave para compreender esse momento tão complexo do Brasil. Não apenas pelo que são, muito pelos discursos sobre o que são. Ao quebrarem patrimônio material como forma de protesto e serem transformados numa espécie de inimigos públicos, aponta-se onde está o valor e também a disputa. Enquanto a destruição dos corpos de manifestantes pela Polícia Militar é naturalizada, a dos bens é criminalizada. Reafirma-se, mais um vez, que os corpos podem ser arruinados, já que o importante é manter o patrimônio, em especial o dos bancos e grandes empresas, intacto. São também os corpos que sofrerão o impacto do projeto do governo que não foi eleito. Estes, que poderão ser ainda mais exauridos pelas mudanças nas regras do trabalho e também nas da aposentadoria. São os corpos os atingidos pelas reformas anunciadas como uma necessidade para não “quebrar o país”. Ao subverter o objeto direto do verbo “quebrar”, quebrando o que não pode ser quebrado, os mascarados desmascaram o projeto que pode ser chamado de “mais um direito a menos””
Mas o problema não se resume a apenas depredarem, no início os prédios públicos, hoje estes e mais os chamados “alvos capitalistas”. Esses grupos, que não reconhecem instituições, querem também impor o silêncio dos demais grupos. Como demonstraram na manifestação no Rio, em 18 de maio, ao cercaram o carro de som onde parlamentares falavam, impedindo-o de prosseguir até defronte da Câmara dos Vereadores, na Cinelândia. A depender deles, inclusive, não haveria discursos ou manifestações.
No momento desse cerco, tentaram impedir que o ato continuasse. Parlamentares eram chamados de “oportunistas” pois, na verdade, para os black blocs as instituições não devem existir e a saída da crise não está em uma negociação, mas na “destruição” de tudo, inclusive, e principalmente, o capitalismo e os governos. Sejam quais forem.
Ocupa Brasília - 25/05/17   Foto: Francisco Proener Ramos
Ocupa Brasília – 25/05/17: Os ataques dos black blocks acabam provocando uma reação que atinge a todos manifestantes e, normalmente, obrigam o fim da manifestação. Foto: Francisco Proener Ramos
Após tumultuarem o ato do dia 18, sem que conseguissem interrompê-lo, eles foram ao confronto com a Polícia Militar. São corajosos, não se nega. Enfrentaram de igual para igual durante certo tempo, levando a tropa a recuar pela Rua Araújo Porto Alegre.
Mas, com isso, provocaram uma reação policial descabida – bem típica de como gostam nossos policiais militares – e desmedida, pois não se limitou a quem os atacava, mas sim a todos os manifestantes que estavam na praça. Tampouco se limitou à praça, a perseguição se deu por várias ruas do centro contra aqueles que tentavam ir embora e fugir das bombas e da fumaça.
Relacionar esses ataques aos organizadores das manifestações é um erro comum que vem se repetindo, principalmente por jornalistas acostumados a escrever de dentro da redação, sem irem à rua ver o que acontece. Reproduzo aqui, sem identificar, o que escreveu, na quinta-feira, um colega de Brasília, querendo ensinar Pai Nosso a vigário:
Em razão dos atos de vandalismo protagonizados por manifestantes convocados pelas centrais sindicais e pelos partidos de oposição, que chegaram a atear fogo nos ministérios da Agricultura e da Cultura e a depredar outros prédios da Esplanada, a crise ganhou contornos que podem resultar numa tragédia, se não houver uma mudança de rumo na situação. De um lado, a oposição precisa dar exemplo e deixar de estimular a violência e o vandalismo nos protestos; de outro, os poderes da República, notadamente o Congresso e o Supremo Tribunal, devem buscar uma saída para a crise ética e política”. (grifo meu)
Somente quem não frequenta atos públicos há muito tempo, ou nem sequer conversa com quem participa deles, ousaria dizer que black blocs e vândalos  são “convocados pelas centrais sindicais e pelos partidos de oposição”. Algo totalmente fora da realidade. Primeiro, que não há convocação. Nem precisa, eles surgem no meio. Segundo por que esses grupos, que se auto intitulam sem lideranças, não se subordinam a ninguém: nem entre eles, muito menos entre aqueles que pertencem às chamadas “instituições” que combatem.
Desafio aos jornalistas – O discurso da mídia tem sido este quando está contra determinados atos. Não mira no que acontece, na verdadeira motivação de quem se deslocou até ali – no caso, esta semana, do Ocupa Brasília, durante horas ou dias de viagem – para protestar. Acaba focando-se no tumulto provocado por uma minoria que, erroneamente, é tratada como igual aos demais: “manifestantes convocados pelas centrais sindicais e pelos partidos políticos”.
Ocupa Brasilia Foto Francisco Proener Ramos 2
Ocupa Brasília – 25/05/17: “Muitas vezes, o efeito das bombas de gás da polícia leva manifestantes cobrirem o rosto com a blusa para se protegerem. Logo são confundidos com os blach blocs. Foto: Francisco Proener Ramos
Na verdade, o desafio que os black blocs nos impõem, como profissionais que devemos reportar o que acontece, é grande, mas igual a muitos outros com os quais lidamos dia a dia.
Quem estaria por trás das máscaras? apenas jovens anarquistas, que desejam impor seu modo de pensar? Ou teríamos também os chamados provocadores infiltrados, como foram pegos, em 2013, agentes P-2 (uma espécie de polícia secreta das PMs em todo o Brasil), em manifestações que ocorreram no Rio? (vide vídeo abaixo) Não só eles. Mas, não seria possível também juntarem-se aos “anarquistas” simples vândalos, dispostos a quebrar pelo simples prazer de fazê-lo?
Na noite do dia 18, ao deixar a Cinelândia caminhando pela Rua do Passeio, presenciei dois ou três destes jovens tentando quebrar uma parada de ônibus. Bastou gritar mais forte que eles desistiram? Por medo? Assustados? A mim pareceu que se fizessem parte de algum grupo, eu receberia a resposta do grupo. Mas, nada aconteceu.
Em determinada capital do sul do país já ocorreu de organizadores de um ato infiltraram entre os black blocs um grupo de verdadeiros “bate-paus” arregimentados nas academias de musculação, sem quaisquer consciência política ou ideológica. Mascarados como os demais, na base da força e até do tapa, evitaram que a turma de mascarados cometesse atos de vandalismo.
Outro exemplo vem de Curitiba, em 2013, época dos preparativos para a Copa do Mundo, como relatou um amigo do Blog:
“Um dia eles marcaram um ato em frente ao Estádio do Atlético, que estava sendo reformado para a copa. Eram uns 30 e iriam vandalizar. De repente, de várias ruas da região começaram a avançar dezenas de integrantes da torcida organizada Os Fanáticos, sem deixar uma via de escape. Foi ridículo ver os “machões” chorando, pedindo que os deixassem ir embora, pedindo desculpas. Não conseguiram. Apanharam muito. Nunca mais fizeram gracinha no estádio, nem durante a Copa. Encontraram bandidos piores. E amarelaram“.
O fato ocorrido na capital ao sul do país mostra que mesmo os black blocs não são capazes de saber se entre eles há ou não infiltrados, Mal devem se conhecer. Quando muito formam pequenos grupos que se juntam ao acaso. Talvez, pudessem ser contidos por meio de grupos  de manifestantes mais fortes, ou numericamente maiores. Mas isso transformaria manifestações em praças de guerra, fugindo ao objetivo principal.  Seria o incentivo à violência, que os movimentos sociais e sindicais, acertadamente, se recusam adotar.
Ocupa Brasilia abre - 1Foto Francisco Proener Ramos
Ocupa Brasília – 25/05/17: Contrários à representatividade, os black blocs não têm líderes e agem ao bel prazer. Como exigir que sindicatos e partidos os controlem? Foto: Francisco Proener Ramos
O desafio a nós jornalistas talvez possa começar a ser enfrentado buscando-se saber o que acontece com aqueles que são presos nessas manifestações.  Normalmente divulga-se as prisões, mas depois não se acompanha o que aconteceu com quem foi pego. Quem eram? De onde vieram? O que disseram à polícia? Eram menores? E, principalmente, o que aconteceu com os mesmos? Foram simplesmente liberados para voltarem a tumultuar no ato seguinte?
Uma vigilância mais de perto por parte da própria imprensa permitirá saber até mesmo se entre eles não há provocadores de direita infiltrados, o que seriam, para a geração que viveu sob a ditadura civil-militar de 64, uma espécie de Cabo Anselmo. Ou meros policiais, que incentivariam a baderna, como em 2013, no Rio de Janeiro, ocasião em que PMS foram flagrados infiltrados entre os manifestantes, como registra o vídeo abaixo.
Mas, para isso, é preciso fazer jornalismo, ir às ruas e acompanhá-los, com paciência e perseverança. Uma pauta à espera de repórteres. Não apenas um, porém, vários, que compartilhem e complementem as suas apurações e observações. A democracia irá agradecer.
Vídeo que flagrou PMs infiltrados nas manifestações do Passe Livre:

Chico ProenerRamos.editada
Foto: Marcelo Auler

Todas as fotografias do Ocupa Brasília reproduzidas nesta reportagem foram gentilmente cedidas pelo jovem fotógrafo Francisco Proener Ramos a quem agradecemos.
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Black Blocs, os corpos e as coisas

Como os mascarados desmascaram o Brasil do “mais um direito a menos”



Black Blocs Manifestações
Jovens mascarados em protesto contra o Governo Temer.  EFE

Os black blocs, que apanham tanto de tantos lados, podem ser uma chave para compreender esse momento tão complexo do Brasil. Não apenas pelo que são, muito pelos discursos sobre o que são. Ao quebrarem patrimônio material como forma de protesto e serem transformados numa espécie de inimigos públicos, aponta-se onde está o valor e também a disputa. Enquanto a destruição dos corpos de manifestantes pela Polícia Militar é naturalizada, a dos bens é criminalizada. Reafirma-se, mais um vez, que os corpos podem ser arruinados, já que o importante é manter o patrimônio, em especial o dos bancos e grandes empresas, intacto. São também os corpos que sofrerão o impacto do projeto do governo que não foi eleito. Estes, que poderão ser ainda mais exauridos pelas mudanças nas regras do trabalho e também nas da aposentadoria. São os corpos os atingidos pelas reformas anunciadas como uma necessidade para não “quebrar o país”. Ao subverter o objeto direto do verbo “quebrar”, quebrando o que não pode ser quebrado, os mascarados desmascaram o projeto que pode ser chamado de “mais um direito a menos”.


É possível discordar totalmente da tática black bloc, mas isso não nos desobriga de escutar o que ela diz. E o que ela diz menos sobre eles, mais sobre o país neste momento em que os mascarados voltam aos protestos de rua. Tudo indica que não passam de duas dezenas os que se mascaram e quebram vidraças hoje em São Paulo, porque nem todo aquele que usa uma máscara é de fato um adepto da tática black bloc. Mas esse punhado de mascarados foi convertido num fantasma a assombrar o imaginário das diversas forças que disputam esse momento.
Desde que as manifestações se tornaram pelo “Fora, Temer!” e pelas “Diretas Já!”, elas multiplicaram-se. Em 4 de Setembro, cerca de 100.000 manifestantes ocuparam a Avenida Paulista. Aos militantes ligados a partidos de esquerda e movimentos sociais somaram-se manifestantes avulsos. Na semana passada, houve protestos menos numerosos em que predominavam jovens, no último domingo (11/9) a manifestação ganhou contornos mais partidários e ligados a movimentos sociais tradicionais. São diferentes atores que se movem em diferentes protestos. Dilma Rousseff, a presidente deposta por impeachment, quase não é citada.

A falsa oposição entre a PM e os Black Blocs é usada para justificar a violência contra os manifestantes

O “Fica Dilma!” afastava muita gente. Mesmo “pela democracia”, muitos sentiam-se incapazes de apoiar um governo que, entre outras traições às bases, cometeu a atrocidade de Belo Monte. Como já aconteceu nos protestos de junho de 2013, e também nos protestos contra a Copa, em 2014, a repressão da polícia tem sido violenta. E, seguindo o mesmo roteiro viciado, é justificada pelas autoridades – e por parte da imprensa – como resultado da ação dos manifestantes que usam a tática black bloc. De imediato a narrativa nas redes e a cobertura da imprensa são tomadas pela falsa oposição: a PM reage aos black blocs. Não fosse a violência de um, não haveria a do outro.
A falsificação é evidente, já que não deveriam ser forças em oposição. A PM deveria atuar nas manifestações para proteger os manifestantes – e não para quebrá-los. Deveria atuar nestas manifestações como atuou nos protestos contra a corrupção e pelo impeachment. Na manifestação "Fora, Temer" e "Diretas Já" do domingo, 4 de Setembro, os black blocs foram obrigados pelos organizadores a tirar as máscaras ou deixar a manifestação. O protesto ocorreu sem incidentes até o fim. O que aconteceu então? A PM começou a jogar bombas quando as pessoas tentavam entrar numa estação de metrô para voltar para suas casas. E, assim, provocou o que parte da imprensa chama de “confronto”. Ficou explícito ali que a PM age de forma ideológica: algumas manifestações precisam acabar bem, outras não. Como disse o filósofo Vladimir Safatle, “a polícia tem partido”.
Fica claro que as atuais manifestações precisam acabar mal. A interpretação mais evidente é a de que, enquanto a cobertura é precariamente concentrada nas bombas de gás e balas de borracha jogadas pela polícia não se discute – ou se discute pouco – o que está sendo reivindicado nos protestos. Para parte da grande imprensa, há cobertura quando há violência, ainda que a violência seja apresentada como um “confronto” entre PM e manifestantes e não como o que de fato é: forças de segurança do Estado atacando cidadãos que exercem seu direito constitucional de manifestação.

Um olho a menos: se a PM é despreparada, como pode andar armada?

Protestos “pacíficos” só receberam grande atenção nas manifestações amarelas. Se não dá para falar de violência, é preciso falar do conteúdo. Tem se tornado explícito que para parte da mídia não é interessante ressaltar o conteúdo dos atuais protestos. Se o conteúdo das manifestações pelo impeachment e “contra a corrupção” era amplamente discutido, seguidamente em tempo real nas TVs, as manifestações pelo “Fora Temer” e pelas “Diretas Já” têm o conteúdo obscurecido literal e simbolicamente pelas bombas de gás da PM. Tudo vira fumaça.
Se a PM, agindo ideologicamente, fabrica incidentes quando não há, é mais prudente fabricar incidentes quando há garotos mascarados quebrando vidraças de prédios. Joga bomba em todo mundo, até em quem está passando ou só tentando chegar em casa, e vira reação. Os que tentam vender uma imagem “neutra” reclamam da “incompetência” da PM, por “exagerar” e não saber agir apenas sobre os “vândalos”. Não é ilegalidade, não é ação ideológica, é despreparo da tropa. Despreparo é mais inocente. Mas despreparado pode andar armado a serviço do Estado?
Os black blocs são manipulados pelas forças que denunciam? É possível dizer que sim. Sua ação serviria para justificar a repressão das manifestações em cujo conteúdo não interessa jogar luz. Além de a violência virar a notícia, no lugar do conteúdo das reivindicações, ela também afasta das ruas aqueles que têm medo de apanhar da PM. É compreensível que muitos temam se manifestar se o risco é acabar com um olho a menos. É essa ideia que move organizadores de manifestações a impedir black blocs de agir – ou ao obrigá-los a tirar as máscaras. Ao não agirem no protesto de 4 de Setembro, em São Paulo, ficou evidente que a PM age violentamente mesmo quando não há ação de black blocs. E isso marcou um ponto.
Mas os black blocs são bem mais do que isso. Eles são também os mascarados que desmascaram.

A PM só pode ocupar o mesmo lugar simbólico dos manifestantes quando se torna o que não pode ser: uma força ideológica

Na semana passada, isso se tornou evidente por artigos na imprensa e nas redes que, com variações, davam aos protestos o recorte de uma oposição de classe entre os manifestantes e a PM. Como se fosse disso que se tratasse. De um lado, estudantes universitários mimados ou mesmo representantes de uma determinada elite. De outro, policiais pobres, pais de família, representantes das classes trabalhadoras.
Nesta manobra, a oposição seria dada não mais pelo protesto contra um projeto que não foi eleito e a reivindicação de eleições diretas, mas pela oposição entre dois grupos de rua, representando estratos sociais diferentes. Como se a PM e os manifestantes ocupassem o mesmo lugar simbólico nos protestos. Não ocupam nem podem ocupar. Ou ocupam apenas quando a corporação deixa de cumprir suas funções para se transformar numa força ideológica e armada, tornando-se o que não pode ser: manifestante.
Dito isso, é sempre importante conhecer quem são aqueles que protestam. Nas manifestações contra e pró impeachment, em São Paulo, apesar de os manifestantes defenderem posições distintas, pesquisas mostraram que o perfil socioeconômico era semelhante: em ambos os lados, quem estava nas ruas tinha maior renda e mais escolaridade do que a população geral. Nas atuais, ainda não há pesquisa para afirmar quem são os manifestantes pelo "Fora, Temer" e "Diretas Já", sem contar que os diferentes protestos têm diferentes públicos.
Os black blocs, atacados à direita e também à esquerda, são os que costumam trazer uma novidade à composição socioeconômica das manifestações. Para a esquerda tradicional, rechaçá-los deveria ser um motivo de constrangimento. Como black bloc não é um grupo, mas uma tática, é mais difícil afirmar quem são as pessoas que a usam nos protestos deste momento. Nas manifestações de 2013 e 2014, ocorridas em São Paulo, uma extensa pesquisa publicada no livro Mascarados (Geração Editorial) por Esther Solano, professora de Relações Internacionais da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), mostrou que a maioria dos que a usavam eram jovens que viviam nas periferias. Em entrevista a esta coluna, a pesquisadora afirmou:

“O estrato social de black blocs e policiais é muito parecido”

“Havia jovens de classe média que utilizaram a tática, mas foi algo esporádico. A maioria dos jovens que a utilizaram de forma contínua e formaram a linha de frente durante esses dois anos eram jovens das periferias de São Paulo, que trabalham desde cedo e estudam. Os que estavam no ensino superior eram tipicamente faculdades particulares. Nas narrativas destes jovens surgiam duas questões muito ligadas à classe: 1) muitos se definiam como a famosa classe C, que, com poder de consumo maior do que seus pais, pode estudar na universidade, mas ainda está exposta a múltiplas precariedades cotidianas; 2) por serem de periferia, a maioria tinha experiência direta com a violência policial nessas regiões, experiência que articula um discurso de raiva contra a corporação. Esta relação com a polícia é fundamental para entender o Black Bloc no Brasil. A origem periférica deles é um elemento essencial, porque o jovem de classe média não tem esta experiência tão dura com a PM. Alguns jovens me diziam: ‘Professora, na periferia a gente não tem como enfrentar eles, porque lá é bala mesmo, e a imprensa não está nem aí. Mas aqui, no centro, a gente desconta a raiva e pode enfrentar os abusos deles porque a bala é de borracha e a imprensa está aqui’. Portanto, eu diria que o estrato social de black blocs e policiais é muito parecido”.
Nas manifestações pelo "Fora, Temer" e "Diretas Já", a hipótese de pesquisadores do tema é de que os black blocs hoje são mais jovens do que nos protestos de 2013 e 2014, possivelmente devido ao movimento secundarista formado na ocupação das escolas públicas, e seguem com origem periférica. Mas ainda não há pesquisa que permita comprovar essa formulação. Em São Paulo, nos anos de 2013 e 2014, aqueles que tinham atuação contínua, que usavam máscaras e depredavam fachadas de banco e de empresas, não passavam de 20. (Vale a pena lembrar que nem todo manifestante que usa máscara é adepto da tática black bloc, assim como nem todo manifestante que usa de violência é black bloc.) Numa observação apenas visual, é possível supor que o número de black blocs se mantenha bem semelhante nas atuais manifestações de São Paulo, embora não sejam os mesmos jovens dos anos anteriores.
Como 20 garotos – ou mesmo se forem algumas dezenas – movem uma fantasmagoria tão potente? Onde eles atingem, ou o que desmascaram?
Vale a pena reproduzir aqui o relato do professor de Antropologia da London School of Economics, David Graeber, um dos ativistas de Seattle nos anos 1990. Ele explica que a tática black bloc ganhou novos significados a partir da percepção de que, sem uma imprensa livre e atuante, as manifestações não violentas são ignoradas. E, portanto, seria necessário mudar de tática para se tornar visível.

“Sem uma imprensa livre e atuante as manifestações não violentas são ignoradas”

“Estratégias gandhianas (desobedecer e resistir sem violência) não tem funcionado historicamente nos Estados Unidos. Na verdade, elas nunca funcionaram em escala massiva desde o movimento pelos direitos civis. Isso, porque os meios de comunicação nos EUA são constitutivamente incapazes de noticiar os atos de repressão policial como ‘violência’ (o movimento pelos direitos civis foi uma exceção porque muitos americanos não viam o sul como parte do mesmo país). Muitos dos jovens que formaram o famoso black bloc de Seattle eram na verdade ativistas ambientais que estiveram envolvidos em táticas de subir e se prender em árvores para impedir que fossem derrubadas e que operavam em princípios puramente gandhianos. Apenas para descobrirem em seguida que, nos Estados Unidos dos anos 1990, manifestantes não violentos podiam ser brutalizados, torturados e mesmo mortos sem qualquer objeção relevante da imprensa nacional. Assim, eles mudaram de tática”.
David Graeber é citado em um ótimo texto de Pablo Ortellado, professor da Universidade de São Paulo (USP) e um dos poucos pesquisadores brasileiros dedicado a compreender quem são os manifestantes. Neste texto, posfácio de Mascarados, livro já comentado anteriormente, Ortellado contextualiza historicamente a tática e argumenta que os black blocs no Brasil, “transformados pela imprensa numa espécie de Al Kaeda”, merecem o respeito de serem tratados como atores políticos consequentes:

“A tática black bloc deve ser entendida mais na interface da política com a arte, do que da política com o crime”

“O objetivo (da destruição seletiva de propriedade privada) era duplo: por um lado, resgatar a atenção dos meios de comunicação de massa; por outro, transmitir por meio dessa ação de destruição de propriedade uma mensagem de oposição à liberalização econômica e aos acordos de livre comércio. Ao contrário do que normalmente se pensa, essa ação não apenas não é violenta como é predominantemente simbólica. Ela deve ser entendida mais na interface da política com a arte do que da política com o crime. Isso porque a destruição de propriedade a que se dedica não busca causar dano econômico significativo, mas apenas demonstrar simbolicamente a insatisfação com o sistema econômico. Há obviamente uma ilegalidade no procedimento de destruir a vitrine de uma grande empresa, mas é justamente a conjugação de uma arriscada desobediência civil e a ineficácia em causar prejuízo econômico à empresa ou ao governo que confere a essa ação seu sentido expressivo ou estético, num entendimento ampliado. A destruição de propriedade sem outro propósito que o de demonstrar descontentamento simbolizava e apenas simbolizava a ojeriza aos efeitos sociais da liberalização econômica”.
Quando os black blocs de hoje, em São Paulo, quebram a fachada de um banco ou de uma empresa, obviamente não estão colocando em risco a existência do banco ou da empresa. Nem o banco nem a empresa vão falir por conta de uma vidraça quebrada. Mas a mensagem é clara. Quando confrontados com acontecimentos passados, episódios em que pequenos comércios e carros populares foram depredados, os black blocs costumavam dizer que “isso não é coisa de black bloc, mas de gente infiltrada”. Concorde ou não com a tática, eles apontam o dedo para o sistema político e econômico que acreditam promover a real violência, aquela que atinge os corpos e os mastiga na aridez da vida cotidiana.
É interessante voltar a prestar atenção na frase de Michel Temer, o presidente-naftalina, ao tentar minimizar as manifestações contra o seu governo: “As 40 pessoas que quebram carro?”. Fez bastante barulho “os 40”, em especial depois que um público estimado em 100.000 pessoas ocupou a Paulista na tentativa de mandá-lo embora do Planalto. Mas se prestou menos atenção no “quebram carro”, o que diz tanto sobre todos.

Qual é o patrimônio mais importante – o material ou o imaterial – diz muito sobre o projeto de um governo

Não é acaso que a palavra “patrimônio” é corrente apenas no que ela expressa de material. O patrimônio imaterial é tratado como irrelevante – ou nem sequer é tratado como “patrimônio”. Qual é o patrimônio prioritário diz muito sobre o projeto de um governo – e de um país. O que se chama de Brasil foi fundado sobre a destruição dos corpos. Primeiro dos indígenas, depois dos negros. Estes, ao deixarem de ser mercadorias, foram relegados às periferias e às prisões, e até hoje são os que têm menos tudo e os que mais morrem de doença e de bala.
O governo Temer, em seu retrato literal de posse, é branco, é masculino, é arcaico. Temer é uma figura que parece deslocada no Brasil que passou por mudanças importantes desde a República Velha. É uma figura amarelada. Mas, se é, também não é. Ou não estaria ocupando o lugar de uma presidente democraticamente eleita. Nossa herança escravocrata e genocida segue bem atual porque jamais superada. Desde a “Abolição” nunca houve políticas públicas suficientes para superá-la – na maior parte do tempo, nem mesmo interesse em fazer algo a respeito. Os corpos, no Brasil, seguem valendo muito pouco. Seguem podendo ser torturados, violados e também exauridos. Bem mais o dos indígenas e o dos negros. Mas não só.
Assim, quando os blac blocks ressurgem e voltam a apontar para o patrimônio material e de imediato vozes se levantam para falar numa oposição de classe entre a PM que destrói os corpos e os mascarados que destroem fachadas de prédios e “carros”, há algo a ser estranhado. É interessante perceber também que, no mesmo momento, é lembrada repetidamente a morte do cinegrafista Santiago Andrade, causada por dois manifestantes no Rio, em 2013, durante um protesto com violenta repressão da polícia. Marca-se, assim, que “black blocs” destruíram uma vida humana.
É fundamental exigir justiça para Santiago, e os responsáveis, que já passaram 13 meses na prisão, devem ser julgados e punidos pelo ato que cometeram. Assim como é importante exigir justiça para todos aqueles que foram assassinados no Brasil e cuja morte segue impune. Isso posto, é preciso reconhecer que a destruição de vidas não é tática black bloc. Mas a violência contra os manifestantes é prática corriqueira da PM nos protestos – com ou sem black blocs. Exceto nas manifestações pelo impeachment.

Quando a PM rompe a lei, ela se torna uma ameaça ao Estado de Direito

O mais importante, porém, é compreender que uma instituição é diferente de um indivíduo – e, portanto, não são comparáveis. Quando a PM mata sistematicamente – e a do Brasil é uma das que mais mata no mundo e também uma das forças em que mais morrem policiais, comparada a outros países –, é o Estado que mata. Por isso grupos da sociedade civil têm afirmado que o genocídio da juventude negra é uma política de Estado no Brasil. No caso das manifestações, a PM, como representante das forças de segurança do Estado, não poderia fazer uma atuação seletiva, nem se tornar oposição a manifestantes, seja eles quem forem. Quando o faz, rompe a lei e torna-se uma ameaça ao Estado de Direito.
É significativo que a prioridade das forças de segurança, como já se tornou evidente, seja proteger as coisas e não os corpos. É também de corpos e de coisas que se trata a atual disputa. Há uma chance de que as manifestações pelo Fora Temer e Diretas Já cresçam com o avanço do projeto do atual governo. E o projeto que avança impacta profundamente sobre os corpos, ao mexer nas relações e na jornada de trabalho, nas aposentadorias e nos investimentos em saúde e educação. O discurso para quebrar mais os quebrados é o mesmo de sempre: sem isso, o país vai quebrar.
Quem quebra, como quebra e por que quebra é mais complexo do que se tenta fazer parecer. Os habituais quebrados acostumaram-se a ouvir, em diferentes períodos históricos, que é preciso quebrá-los mais para o país não quebrar. Nunca se fala, por exemplo, em políticas para quebrar um pouco a renda dos mais ricos e redistribuí-la de maneira que os quebrados de sempre se tornem um pouco menos quebrados. Não. A única saída é quebrar mais quem já é quebrado. Assim, um projeto que pertence ao campo da política se transforma num dogma propagado por gurus da economia no altar em que os sacrificados são sempre os mesmos. Neste caso específico, a escolha de um projeto não eleito e, portanto, sem legitimidade democrática para interferir tão profundamente na vida cotidiana dos brasileiros – sem legitimidade para impactar tão profundamente os corpos.
Quando os black blocs voltam ao palco da disputa, discordando ou não de sua tática, é preciso olhar para quais são as vidraças que quebram. E desconfiar de por que o rompimento destas vidraças têm causado tanto barulho e mobilizado tanta fumaça.

O que se disputa é quantos direitos a menos os corpos dos quebrados conseguirão suportar

Não há ilusões nem bipolarização aqui. Se Dilma Rousseff prometia “nenhum direito a menos” na sua posse, foi no seu governo que começou o “mais um direito a menos” – e é sua a lei antiterrorismo que permite criminalizar manifestantes. Foi também Dilma Rousseff que começou a colocar em prática um projeto que não foi o eleito já no dia seguinte. Com Temer, agora, já são muito mais direitos a menos – e a subtração só faz crescer.
O que está em jogo neste momento é quantos direitos a menos os corpos dos quebrados conseguirão suportar sem reagir. E por quanto tempo boa parte dos brasileiros continuará a lamentar mais a destruição das coisas do que dos corpos.
Os black blocs têm apanhado à direita e também à esquerda. Tal unanimidade deve gerar, no mínimo, curiosidade. Há que se compreender que, concordando ou não com a tática, eles apontam para o impasse incontornável do Brasil, ontem e hoje: aquele que se dá entre os corpos e as coisas.
http://brasil.elpais.com/brasil/2016/09/12/opinion/1473693538_681813.html

Eliane Brum é escritora, repórter e documentarista. Autora dos livros de não ficção Coluna Prestes - o Avesso da Lenda, A Vida Que Ninguém vê, O Olho da Rua, A Menina Quebrada, Meus Desacontecimentos, e do romance Uma Duas. Site: desacontecimentos.com Email: elianebrum.coluna@gmail.com Twitter: @brumelianebrum