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sábado, 27 de junho de 2015

Questões de Gênero e o medo | Tayná Leite

O MEDO ESTÁ VOLTANDO

Sempre me incomodei quando alguém usava como argumento para não querer ter um@ filh@ gay porque el@ "sofreria muito em uma sociedade como a nossa". Mas não seria mais um motivo para fazermos - ou tentarmos fazer - do mundo um lugar melhor em vez de torcermos para que noss@ filh@ não faça parte de um grupo constantemente humilhado e assediado em todos os sentidos?
Torceríamos então para sempre termos somente filhos homens e heteros já que são os que menos sofrem em nosso mundo cis? Assim se iniciaram muitos debates e muitas conversas que normalmente me deixavam apenas com raiva, pois no fundo esse argumento era apenas algo que a pessoa gostava de dizer para si mesma para não ter que assumir seus próprios preconceitos.
Pois bem, nesta segunda-feira, 22, ao acompanhar a votação do Plano Municipal de Educação (PME) na Câmara de Vereadores de Curitiba, pela primeira vez senti esse medo. Olhando ao meu redor só o que eu via eram rostos raivosos. Ouvia gritos quase que de guerra usando o nome de Deus para justificar a intolerância, o machismo, o racismo e a homofobia. Como se um filme estivesse passando na minha frente em câmera lenta no qual me vi completamente espectadora me senti pela primeira vez realmente assustada. Olhei para o alto e vi parte dos manifestantes LGBTs com balões coloridos espremidos por um número pelo menos 10 vezes maior de conservadores com faixas que diziam coisas como: "Curitiba sem gênero e sem diversidade!" "Homem é homem, menino é menino e macaco é macaco". Olhei no olho de um menino em especial no meio daquele tumulto e não pude evitar de sentir medo.
Ao ouvir os vereadores que deram voz ao que viria a ser o posicionamento da Câmara mais tarde meu coração se enchia de tristeza e desconsolo (as expressões gênero e diversidade foram excluídas do PME assim como aconteceu no âmbito nacional). Não vou entrar no mérito das inconstitucionalidades dessas medidas conservadoras que afrontam diretamente o estado laico (para quem tiver interesse segue a nota oficial da Presidência da OAB sobre o tema pois este não é o foro e há muitos por aí explorando muito melhor do que eu esta parte técnica, mas questiono-me hoje após esse dia tão difícil (ainda está sendo votado na Assembleia Legislativa o Plano Estadual enquanto escrevo) quais os rumos que o nosso país e a nossa sociedade estão tomando.
Não tenho receio em dizer que já estamos em um Estado fundamentalista! Ao finalizarem suas falas em plenário os vereadores "cristãos" (e sim, cabem aqui MUITAS aspas) foram aplaudidos e saudados com gritos de "aleluia" "glória a Deus" e "Jesus é o nosso rei". Em discursos efusivos foram defendidas a discriminação de gênero, a homofobia e a manutenção de um sistema que exclui, que agride e que mata!
Olhava ao meu redor contemplativa tentando imaginar o que Jesus pensaria daquilo. O que o homem que veio pregar o amor e a tolerância, que andava com putas e excluídos pensaria daquelas atitudes inflamadas que, em algum momento, também o consideraram subversivo e o crucificaram? O que ele sentiria ao saber que em seu nome crianças são mortas, homens e mulheres são espancados e estuprados de forma "corretiva" e tantos outros levados a tirarem suas próprias vidas por não conseguirem conviver com tanta intolerância?
Fitava os olhares cheios de ódio, cheios de raiva e só conseguia pensar no meu futuro filho ou filha. No mundo que os espera... e se for menina? E se for gay ou lésbica? Ou trans? E se for negro(a)? O que será desses filhos que ainda não tenho? O que será de mim? Em que momento esse estado nada laico conseguirá silenciar a minha voz de mulher subversiva que deveria estar em casa cumprindo o seu papel "bíblico"?
E foi neste momento que me lembrei d@s muit@s que lutaram e lutam - bem mais do que eu -por um mundo justo e igualitário. Lembrei-me de tod@s que sofreram e sofrem apenas para terem minimamente assegurado seu direito a existir. Lembrei-me, que eu não tenho outra opção a não ser continuar lutando e acreditando, afinal, como disse Sally Kempton: "Tornei-me feminista como uma alternativa a ter que me tornar uma masoquista" .
Este dia serviu, dentre outras coisas para confirmar que não mais vivemos em um estado laico real. Hoje me mostrou que é cada vez mais essencial mostrarmos a noss@s amig@s a importância de fazer-se presente e de posicionar-se ao lado do que é justo e humano. Se nós não estamos articulados, eles estão. Hoje serviu principalmente para agradecer a tant@s que continuam nessa luta diária que, acreditem, não é fácil!
Meu obrigada especial vai à CEVIGE e as demais comissões da OAB que estão incansáveis nessas últimas semanas em busca de um mundo com menos ódio. Vai às pessoas que me fazem acreditar que é possível e que me ensinam tanto diariamente sobre o respeito e à tolerância. E o pedido de desculpas vai aos que estão por vir. Por não termos ainda conseguido preparar uma sociedade na qual os seres (não apenas humanos) são respeitados e valorizados na sua singularidade e na sua beleza única e não colocados em situação de humilhação constante e de sofrimento continuo em nome de um Deus que certamente está sendo mal interpretado. Por estarmos ainda em uma sociedade em que o verdadeiro Deus é o poder e o dinheiro que pode compra-lo e a religião é a arma usada para conquistá-lo.
O medo bateu mas a coragem irá prevalecer! Afinal de contas não temos opção...
Post originalmente publicado em: http://www.selfdh.com

Questões de Gênero e o medo | Tayná Leite

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