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quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Autoridade Fiscal Independente ampliará déficit de democracia no país, diz Sicsú - Carta Maior

18/11/2015 - Copyleft

Autoridade Fiscal Independente ampliará déficit de democracia no país, diz Sicsú

Para o professor, proposta de Renan Calheiros está no bojo de várias outras que visam retirar dos governos a prerrogativa de conduzir a política fiscal.


Najla Passos

Lula Marques
O plenário do Senado pode votar nesta quarta (18) mais uma matéria legislativa que visa sequestrar a prerrogativa do governo de conduzir a política fiscal do país. Trata-se da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 83/2015, de autoria do senador Renan Calheiros (PMDB-AL), que cria a Autoridade Fiscal Independente (AFI), um órgão de assessoramento do Congresso que se apresenta sobre a pecha de técnico, isento e independente, mas tende a se tornar mais um instrumento de luta política. 
 
De acordo com o professor do Instituto de Economia da UFRJ, João Sicsú, a AFI funcionará nos mesmos moldes que o Tribunal de Contas da União (TCU), criado para funcionar apenas como um órgão consultivo do governo, mas que na prática paralisa obras, quebra cronogramas, provoca demissões e, nas manchetes dos grandes jornais, ainda aparece como algo positivo.
 
Para o professor, tanto o TCU, que foi propositadamente batizado de ‘tribunal’ para ganhar ares mais pomposos, quanto à AFI, que leva os termos ‘autoridade’ e ‘independente’ no nome, encontram grande espaço na agenda pública, especialmente na midiática. “Este órgão vai fazer política. E não é política fiscal, mas política mesmo. E isso terá um grande impacto não só para o Congresso, mas para toda a sociedade”, sustenta. 
 
Sicsú lembra que a AFI terá um diretor indicado pelo presidente do Congresso - portanto alguém da sua confiança -, além de autonomia institucional e financeira para colocar uma lupa sobre a atividade fiscal do governo. “Não podemos ter órgãos paralelos fazendo política contra a política fiscal do governo, qualquer que seja ele. Não podemos ter um órgão com uma capa de isento, de independente, de autoridade, dando opinião sobre a política fiscal do governo, como se o governo não tivesse sido eleito com milhões de votos para tomar essas decisões”, denuncia. 
 
Para o professor, se um governo está tomando decisões erradas, ele tem que ser punidos nas urnas, porque esta é a regra da democracia. “A gente troca de projeto no voto, e não a partir do debate provocado por um órgão paralelo que tenta sufocar a atuação do governo”, alerta.
 
Tendência internacional
 
Sicsú afirma que o projeto de criação da AFI no Brasil está dentro do bojo de uma corrente cada vez mais forte, que busca aprisionar as políticas fiscais dos governos, não só no Brasil, mas em todo o mundo. Segundo ele, esse movimento começou com o aprisionamento das políticas monetárias e cambiais, que geraram, por exemplo, a tese de Banco Central Independente, um dos temas de destaque nas eleições de 2014. 
 
O professor, entretanto, sustenta que, mesmo com as limitações das políticas cambiais e monetárias, muitos países conseguiram avançar na geração de crescimento e qualidade de vida, trabalhando apenas com a margem de manobra permitida pela política fiscal. Como exemplo, citou o governo do ex-presidente Lula, que fez isso especialmente entre 2007 e 2010. 
 
“O Brasil é um grande exemplo de que é possível fazer avanços sociais e investimentos só com a política fiscal, ainda que a monetária e cambial sejam insuficientes ou até contrárias a ela. Aliás, o que a história tem mostrado é que a política fiscal consegue se sobrepor à monetária e a cambial”, esclarece.
 
Ele denuncia, ainda, que o projeto de criação da AFI se alia a outros em tramitação no Congresso, como o do senador José Serra (PSDB-SP) que propõe limites rígidos para o endividamento da União, com fixação, inclusive, de patamares mínimos de superávit primário. “Até a ideia de liberar taxas de juros altas serve para causar constrangimento da política fiscal, porque quanto mais juros nós temos, menos capacidade fiscal o governo tem para realizar gastos”, acrescenta.
 
Déficit de democracia
 
Sicsú denuncia que este movimento mundial para retirar dos governos a capacidade de gerir a política fiscal dos países em benefício da acumulação de recursos para o pagamento das dívidas públicas ameaça a democracia, porque possibilita que os técnicos indicados para órgãos como a AFI governem, em detrimento dos políticos que contam com o aval das urnas para fazê-los. 
 
“Todo esse movimento que está em curso retira dos governos a capacidade de governar. E isso gera um déficit de democracia. Governantes são eleitos para governar, e não o contrário como tem acontecido em muitos países da Europa. E, se as políticas desses governos não dão certo, temos que mudar os governantes. E não ter menos democracia em nome de mais eficiência do Estado. Se é só para seguir regras, nós precisamos é de um computador. E não de governantes e nem mesmo de democracia” argumenta. 
 


Créditos da foto: Lula Marques
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