O papel de José Maria Marin no assassinato de Vladimir Herzog
25/10/2015 – Com um discurso na Assembleia Legislativa de São Paulo, em outubro de 1975, José Maria Marin deu carta branca para a ditadura torturar – e assassinar – o jornalista Vladimir Herzog
Brasília, 11 de dezembro de 2012: o deputado Romário chega de mansinho na sala da Comissão. Uma centena de pares de olhos seguem o icônico Baixinho que se dirige primeiro à imprensa. “Andrew Jennings, meu amigo, como vai?”, diz, enquanto aperta minha mão entre as suas.
Ele parece estar em grande forma, leve, relaxado, sorridente, e um brilho no olhar que promete: um dos maiores goleadores do mundo está prestes a marcar mais um tento. Sem fazer alarde, como sempre.
“Melhor agora que encontrei você, companheiro”, respondo. Ele dá risada e vai embora, driblando as mesas para tomar assento na Comissão de Esporte e Turismo da Câmara, da qual faz parte.
Romário aguarda pacientemente por alguns minutos. Então, o presidente da mesa lhe passa a bola: é a sua vez de falar. Ele não sorri agora.
“As pessoas me param na rua para dizer: ‘Traga o Teixeira de volta, o novo presidente da CBF é pior’”.
Pronto. Com apenas uma frase, ele agarrou a bola e gol!
Durante 23 anos, Ricardo Teixeira desviou dinheiro da Fifa e da CBF. O peso da corrupção finalmente o forçou a renunciar, em março de 2012, e os torcedores puderam recolher as faixas “Fora, Teixeira!” que estendiam nos estádios.
Como o cara que assumiu a CBF, o octogenário José Maria Marin, poderia ser pior que o antecessor? Certamente ele vai fundo saqueando o futebol brasileiro, mas Marin não tem como superar as décadas de roubo de Ricky Vigarista.
A resposta está fora do campo do futebol, em uma história sórdida que vem do tempo da ditadura militar. Por isso a indignação em São Paulo – onde manifestantes protestaram diante de sua casa –, nas colunas dos jornais e no Congresso, onde foi acusado de ter “as mãos sujas de sangue”.
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Brasília, 13 de dezembro de 1968: quatro anos depois do golpe militar que implantou a ditadura no Brasil, veio uma lei – o famigerado AI-5 – que dava ao milico que estivesse na cadeira da presidência o poder de fazer o que lhe desse na telha. O Congresso estava amordaçado, os partidos políticos foram banidos e os direitos humanos, extintos. A censura corria solta nos jornais, na música, no teatro e no cinema.
Sabendo-se ilegítimos e odiados pelo povo, os generais declararam guerra suja contra os opositores. Torturava-se e matava-se na Operação Bandeirantes – a Oban – executada por policiais civis e militares e secretamente financiada por empresários brasileiros e corporações americanas, que pagavam bônus para tirar os sindicalistas de suas fábricas.
Em 1970, entre os milhares de presos estava uma jovem estudante, Dilma Rousseff, que se juntara a um grupo clandestino de guerrilha urbana. Ela descreveu, em uma entrevista de 2011, as pancadas que recebia nua e amarrada, entremeadas por choque elétricos nos pontos mais sensíveis do corpo, que chegaram a provocar hemorragia uterina.
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São Paulo, 15 de março de 1971: enquanto os torturadores da Oban davam choques em Dilma, José Maria Marin, que muito depois se tornaria o chefão do futebol, assumia o mandato de deputado estadual em São Paulo. Se quisesse, Marin teria ouvido os gritos dela. Ele tinha conhecimento da tortura, mas isso não o incomodava. Os militares não faziam segredo da sua brutalidade; para se impor, eles precisavam de uma população acuada e intimidada.
O senhor Marin aderira à Arena, o partido criado para os políticos da ditadura. Ele gostava dos militares porque eles o deixavam pertinho do caixa-forte, e os militares o apreciavam porque ele era a caixinha de música deles – bastava apertar o botão, e lá ia Marin discursar na Assembleia, denunciando os comunistas ou qualquer um que a Oban quisesse, dando o pretexto para prender e torturar.
De vez em quando Marin se encontrava com Sérgio Fleury nos bastidores políticos ou nos restaurantes da moda em São Paulo. Fleury era um sádico de primeira, um artista da tortura. O Príncipe da Dor supervisionava inquéritos e operava uma rede de cativeiros privados – em casas, chácaras – onde clandestinamente os presos políticos eram torturados dias a fio. Muitos morreram – ou simplesmente desapareceram.
Os seus gângsters, em trajes civis, invadiam qualquer casa a qualquer hora e, quando queriam se divertir, espancavam o suspeito. As crianças assistiam a tudo, aterrorizadas. Os revólveres disparavam. Marin tinha Fleury em alta conta.
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São Paulo, janeiro de 2013: “Depois que a ditadura se instalou, ser jornalista se tornou uma ocupação prejudicial à saúde. Eu tinha saído do país seis meses antes e estava em Londres, trabalhando para o serviço brasileiro da BBC”, lembra o jornalista Nemércio Nogueira.
“Eu e um colega fizemos um lobby para que a BBC oferecesse um emprego ao amigo e jornalista Vladimir Herzog. Em 1965 eles contrataram o Vlado, que veio com Clarice, a sua mulher. Eles tiveram os seus dois filhos, Ivo e André, em Londres”.
Depois de três anos na BBC, em agosto de 1975, ele voltou com a família para o Brasil, e foi nomeado editor-chefe da TV Cultura, uma emissora do governo estadual. Agora, ele estava na esfera de influência do deputado José Maria Marin, porta-voz de Fleury e dos generais.
A ditadura começava a rachar. A luta armada tinha sido sufocada e os guerrilheiros, eliminados. Alguns generais pregavam um retorno gradual e cauteloso à democracia. Mas os linha-dura não queriam ouvir falar nisso; para continuar nos negócios, precisavam da “ameaça vermelha”. Os soldados da tortura concordavam do fundo do coração.
Eles conseguiram ajuda externa. Os serviços de segurança de Argentina, Bolívia, Chile, Paraguai e Uruguai lançaram a Operação Condor, sincronizada por meio de uma base da CIA no Panamá, prendendo e assassinando lideranças de esquerda e opositores da ditadura em toda a América Latina.
Vlado era mais do que um respeitado ex-repórter e produtor da BBC. Graduado em Filosofia, era um documentarista bem sucedido e professor de jornalismo na Universidade de São Paulo.
Outros colegas jornalistas recordam: “Vlado tinha um estilo direto e despojado de falar e escrever, e não era dado à retórica. Uma frase que usava com frequência, que resume o pensamento dele – e está gravada em sua lápide – era: ‘Quando perdemos a capacidade de nos indignarmos com as atrocidades praticadas contra os outros, perdemos também o direito de nos considerarmos seres humanos civilizados’”.
A sua família conhecia o medo, o medo das atrocidades. Judeus, fugiram da Croácia quando ele era menino por causa dos nazistas.
Ivo Herzog me disse: “Sim, meu pai era membro do Partido Comunista Brasileiro. Mas não era um grupo armado. Era mais como um grupo de debates”.
As denúncias serviam ao que Fleury e seus sádicos queriam. Eles começaram a prender os suspeitos de serem comunistas e torturá-los para obter mais nomes.
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São Paulo, setembro de 1975: Cláudio Marques era um provocador barato, um porta-voz dos torturadores que entrava nos lares da cidade pela TV.
“Conheci o Cláudio pessoalmente, como jornalista, e ele me parecia um canalha. Acho que ele não era mais do que um oportunista que viu na ditadura uma forma de obter favores, patrocínio para a sua coluna, o seu programa de TV, um emprego, qualquer coisa”, lembra o jornalista Nemércio Nogueira, amigo e colega de Vlado na BBC.
Cláudio fazia tudo o que podia para conseguir a gratidão dos generais. Fleury queria vermelhos? Cláudio proveria. Ele começou a escrever a sua “Coluna Um”.
“Viram o noticiário de ontem na TV Cultura? Falando do esquerdista vietnamita Ho Chi Minh?”
Não interessava que a matéria tivesse vindo da BBC Visnews – ali estava a prova de que o canal estatal tinha sido tomado pelos vermelhos! E o governo vai ficar parado assistindo a isso? Isso foi na primeira semana de setembro. Dois dias depois, a coluna de Cláudio espalharia o veneno pela segunda vez.
As prisões dos comunistas suspeitos começaram na última semana de setembro. Amarrados na Cadeira de Dragão, com eletrodos no nariz e no pênis, e afogados em baldes de água, eles estavam gritando nomes.
A campanha se mudou para o Congresso.
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São Paulo, 9 de outubro de 1975: o fantoche escolhido para fazer o aquecimento era o deputado Wadih Helu, outra criatura da ditadura. Ele tomou assento nas fileiras da Arena enquanto providenciava lugares discretos para os interrogatórios dos torturadores de Fleury.
Helu trazia “denúncias graves” a seus colegas na Assembleia: o governo tinha acabado de inaugurar um novo sistema de esgoto e quem assiste à TV Cultura não ficou sabendo disso. Eles não mandaram equipe! (controle a sua vontade de rir, pois o fim da história é funesto)
Fingindo tremer de raiva, o deputado Helu prosseguiu: “A ausência da equipe da TV Cultura nas inaugurações do governo não é novidade para quem tem acompanhado a coluna de Cláudio Marques, denunciando a infiltração de elementos comunistas na TV do estado”.
Helu subiu o tom: “Eles só mostram notícias negativas, nada de positivo. Estão fazendo proselitismo do comunismo subserviente, tornando-se, como diz Cláudio Marques, ‘a TV Cultura vietnamita de São Paulo’, usando dinheiro do povo para prestar um desserviço ao governo e à pátria”.
Helu sentou. Era a vez do deputado arenista José Maria Marin.
“Acho estranho que, apesar da imprensa estar levantando o problema há tempos, pedindo providências aos órgãos competentes em relação ao que está acontecendo no canal 2, não tenha acontecido nada até agora. Não é só uma questão daquilo que eles publicam, mas o desconforto que provocam não apenas aqui, nem apenas nos círculos políticos, mas que se comenta em quase todos os lares paulistas”.
Alguma coisa tinha que ser feita.
“Gostaria de chamar a atenção da Secretaria de Cultura de São Paulo e do governador do estado, que devem, definitivamente, apurar as denúncias publicadas na imprensa de São Paulo – em especial, pelo corajoso jornalista Cláudio Marques. Ou o jornalista está errado ou está certo. Essa omissão não pode persistir. Mais do que nunca é necessário agir para que a tranquilidade reine novamente nesta Casa e, principalmente, nos lares de São Paulo”.
Sérgio Fleury e seus gorilas agora tinham carta branca para trabalhar. Essa era a mensagem do discurso de Marin. O relógio estava correndo depressa no sentido de abreviar a vida de Herzog.
“Naquele tempo a gente vivia no olho do furacão”, lembra Paulo Markun, amigo e colega de profissão de Vlado. Oito dias depois, Markun foi preso. “Fui torturado e confessei que era membro do Partido Comunista”, disse.
Na noite de 24 de outubro, 15 dias depois dos discursos raivosos de Helu e Marin na Assembleia, os policiais chegaram na TV Cultura querendo levar Vlado. Os colegas de redação argumentaram que ele estava fechando o jornal da noite e que, se o levassem naquele momento, o programa não iria ao ar. Vlado se ofereceu para ir voluntariamente à polícia no dia seguinte.
Vlado foi incauto? Era ingênuo? Um colega e amigo dele me disse: “A minha interpretação é que, morando em um endereço bem conhecido, sendo um jornalista renomado, com um cargo alto na TV estatal, e sem envolvimento na luta armada, ele não tinha muito o que temer”.
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São Paulo, 25 de Outubro de 1975: Vladimir Herzog, 38 anos, acordou mais cedo do que de costume na manhã de sábado. Fez a barba, tomou banho e deu um beijo de despedida em Clarice, que ainda estava na cama.
Ela queria levantar e fazer o café da manhã, mas ouviu que não precisaria se preocupar, pois no caminho ele iria parar em uma padaria para tomar uma xícara de café com leite.
No fundo, no fundo, todos os que não eram aliados do regime tinham medo de “desaparecer” – afinal, naquela época, isso acontecia mesmo. Vlado, então, combinou de encontrar um colega que o acompanhou até o número 921 da Rua Tutóia, no bairro do Paraíso, atualmente o 36º distrito policial. Eles chegaram por volta das 8 horas da manhã.
Por trás dos muros altos guardados por sentinelas, funcionava a Oban. Vlado cruzou o portão de entrada e disse ao recepcionista o seu nome completo, profissão, número de RG. E esperou sentado em um dos bancos de madeira do amplo hall que conduzia a um vidro e uma porta de ferro. Minutos depois, foi levado para o interrogatório.
Vlado recebeu a ordem de tirar as roupas e colocar os trajes de prisioneiro. Na sala de interrogatório, já havia outros dois com os rostos cobertos por capuzes pretos. Um deles, Rodolfo Konder, reconheceu o amigo: “Consegui erguer um pouco o capuz e reconheci seus sapatos, os mocassins pretos do Vlado”.
Vlado negou ser membro do Partido Comunista. Konder e o outro prisioneiro foram levados. Pouco tempo depois, eles ouviram os gritos de Vlado quando os choques elétricos começaram.
Os gritos duraram boa parte da manhã. “Os choques eram tão violentos que Vlado uivava de dor”, diz Konder. “Eles ligaram o rádio para abafar o som”.
“Cerca de uma hora depois, eles me levaram para outra sala, onde pude tirar o capuz, e eu vi o Vlado. O homem que fazia o interrogatório parecia ter uns 35 anos, era magro, musculoso, com uma tatuagem de âncora no braço, e me disse para falar para ele que era inútil resistir”, lembra Konder.
“Vlado estava com o capuz enfiado na cabeça, tremendo, desfigurado. Tive que ajudá-lo a escrever uma confissão dizendo que ele tinha sido convencido por mim a entrar no PCB e listar outros membros do partido”.
Sobre isso, Ivo Herzog me disse: “Eles interromperam os choques e ditaram uma nota para o meu pai escrever. Ele obedeceu, escreveu, e então refletiu e rasgou a nota. Eles aumentaram a voltagem, os gritos dele voltaram a ser ouvidos, e os choques o mataram”.
Ele hesita um pouco e para de falar. “Minha família não gosta de recordar a tortura. Eles não tinham a necessidade de matar o meu pai. Não tinham essa intenção”.
“Fleury estava na sala?”, perguntei.
“Não sabemos”, diz Ivo. “Mas sei que, para ficar bem com os militares, o Marin estava bem preparado para colocar a vida do meu pai em perigo”.
Tarde da noite, Clarice Herzog recebeu as notícias da morte do marido.
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25 de outubro de 1975, poucas horas mais tarde: os torturadores vestiram Vlado apressadamente com as suas roupas, passaram o cinto da calça em volta de seu pescoço, penduraram o corpo na cela e o fotografaram de novo – desta vez, alegando que ele havia se matado. A foto não era nada convincente: os pés dele tocavam o chão e os seus joelhos estavam dobrados.
O seu corpo foi entregue às autoridades religiosas, à espera de que fosse enterrado – e as evidências do crime também. A tradição judaica não permite que os suicidas sejam enterrados em seus cemitérios. Mas, quando o Shevra Kaddish – o comitê fúnebre judaico – estava preparando o corpo para o funeral, o rabino Henry Sobel reparou nas marcas de tortura. Ele ordenou que Vlado fosse enterrado no centro do cemitério. A versão do suicídio tinha sido desmentida.
As notícias da morte de Vlado se espalharam à medida que os jornalistas e opositores gradualmente ocupavam as ruas. A tragédia havia levado para a classe média os fatos que ocorriam em todo o país. Lentamente – foi preciso outra década para restabelecer algo que parecesse mais com a democracia –, o golpe militar arrefecia. Sobel diria depois: “O assassinato de Herzog foi o catalisador da volta da democracia”.
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São Paulo, 7 de outubro de 1976: um ano e dois dias depois de “salvar” a TV Cultura – e de ter incitado a prisão que terminou com o assassinato de Herzog –, Marin mais uma vez discursava na Assembleia Legislativa de São Paulo.
E, novamente, o deputado reclamava. Não sobre os vermelhos. Desta vez, estava aborrecido com a falta de reconhecimento público a Sérgio Fleury, o delegado. Um homem que recentemente tinha emboscado e matado guerrilheiros corajosos o bastante para enfrentar a ditadura.
Isso foi tirado da gravação oficial do discurso de Marin: “Aqueles que o conhecem de perto sabem que ele é um chefe de família exemplar, mas, mais do que tudo, ele cumpre os seus deveres como policial da maneira mais louvável possível. Não conseguimos entender como um policial deste calibre, um homem que dedicou a sua vida inteira ao combate do crime, um homem que muitas vezes pôs em risco não apenas a sua vida, mas a de seus familiares, não está recebendo o reconhecimento que merece”.
“Conhecendo seu caráter como eu conheço, não há dúvida de que Sérgio Fleury ama sua profissão, de que se dedica ao máximo, sem medir esforços nem sacrifícios para honrar não apenas a polícia de São Paulo, mas acima de tudo o seu título de delegado de polícia. Ele deveria ser uma fonte de orgulho para a população de nossa cidade”, prosseguiu Marin.
“Por isso, senhor relator, na certeza de refletir o pensamento dos moradores de São Paulo, queremos expressar o orgulho que sentimos por ter em nossa polícia o delegado Sérgio Fleury”.
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Saint Helier, Nova Jérsei, 17 de novembro de 2012: antigo amigo dos militares, ainda amigo de José Maria Marin e ainda procurado pela Interpol por lavagem de dinheiro, Paulo Maluf dá risada diante da decisão judicial de que ele é um ladrão que desviou 10,5 milhões de dólares da obra de uma estrada em São Paulo.
Por que ele deveria se importar? Tinha 80 anos àquela época, o governo nunca conseguirá o dinheiro de volta enquanto ele estiver vivo nem conseguirá obter provas suficientes para recuperar os estimados 1,7 bilhões de dólares desviados por ele no decorrer de anos.
Maluf se aproximou dos cofres públicos pela primeira vez quando os generais o nomearam prefeito de São Paulo, em 1969. Três anos depois, ascendeu ao governo estadual, fez de José Maria Marin o seu deputado, e lhe passou as chaves do tesouro paulista em 1982.
O acontecimento mais memorável durante os dez meses de governo de Marin em São Paulo foi ser vaiado na Assembleia Legislativa depois que veio à tona empréstimos suspeitos feitos por um banco federal. Os amigos o indicaram para dirigir a seção paulista da CBF.
O desempenho de Marin foi o suficiente para impressionar Ricardo Teixeira, que o nomeou vice-presidente da entidade em 2008. Quando as revelações que fiz a respeito das propinas de Teixeira o forçaram a sair da Fifa e da CBF, Marin era o substituto conveniente. Ele havia provado que compartilhava dos pontos de vista de Teixeira sobre o futebol: se pode ser roubado, roube. Marin foi flagrado na TV afanando uma medalha da Copa São Paulo de Futebol Júnior de 2012, após uma final entre Corinthians e Fluminense.
Três meses depois, o brilhante jornalista esportivo Juca Kfouri desenterrou o discurso de Marin na Assembleia, em outubro de 1975, denegrindo Vladimir Herzog. Juca culpou Marin pela prisão e morte do jornalista. E também apresentou aos seus leitores o discurso inacreditável de Marin, elogiando o torturador Sérgio Fleury.
Um jornalista de São Paulo, que acompanha a carreira do cartola, diz que “Marin não é nem um rato, é um camundongo”.
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São Paulo, domingo, 11 de novembro de 2012: um grupo de manifestantes está na frente da casa de José Maria Marin, nos Jardins, bairro nobre da capital paulista. Carregando faixas, tambores, tamborins, microfones e um carro de som, os que protestam cantam músicas compostas especialmente para a ocasião. Uma delas pergunta: “Olha a ficha suja do Marin! Será que ele é? Será que ele é… dedo-duro?”
Entre eles está Adriano Diogo, então com 63 anos e deputado estadual pelo Partido dos Trabalhadores, que também foi preso e torturado pela Oban em 1971, ficando na cadeia por algum tempo.
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São Paulo, 27 de novembro de 2012: Adriano Diogo está discursando novamente, mas agora como parte de seu trabalho cotidiano, na mesma Assembleia Legislativa de São Paulo em que algumas décadas antes estava José Maria Marin.
“Senhores e senhoras, primeiro eu quero congratular essa nova geração que faz escrachos com os torturadores, nomeando-os e envergonhando-os na porta de suas casas, pela ideia brilhante de ir até a de José Maria Marin. Este senhor, o delator da ditadura, é responsável pela prisão e assassinato de Vladimir Herzog”, disse Diogo. “Ele tem as mãos sujas de sangue, e não pode ser o presidente da CBF”.
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Quarta-feira, 23 de janeiro de 2013: “A Comissão da Organização dos Estados Americanos (OEA) vai investigar a responsabilidade do Estado pela morte do jornalista Vladimir Herzog em 1975, durante a ditadura militar (1964-1985). De acordo com a petição, o Brasil não cumpriu ainda a sua obrigação de investigar, perseguir e punir os responsáveis pela morte de Vladimir Herzog”, diz uma mensagem oficial.
“O caso Herzog ilustra o fracasso do Judiciário durante a ditadura militar brasileira e, agora, durante a democracia”, diz Viviana Krsticevic, diretora executiva do Center for Justice and International Law, sediado em Washington, que veio ao Brasil anunciar a aceitação da petição.
“Queremos saber quem é responsável pelo que aconteceu com o meu pai”, diz Ivo Herzog.
Ninguém vai chamar José Maria Marin para testemunhar? Ele ignorou o convite para comparecer ao encontro do Comitê de Esporte e Turismo em Brasília, deixando o gol livre para Romário.
Andrew Jennings é repórter colaborador da Agência Pública. No Twitter, @AAndrewJennings
Foto: Rafael Ribeiro/CBF
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