O projeto de transformação social por meio da prática científica que começou na pequena cidade da região metropolitana de Natal se estendeu para a capital potiguar e ultrapassou fronteira. Quem conta essa história é o principal autor dessa revolução
Em março de 2003, o estado do Rio Grande do Norte foi surpreendido com a notícia de que cientistas brasileiros, radicados no exterior há vários anos, pretendiam instalar na periferia da capital potiguar um grande instituto internacional de pesquisa, focado no estudo do cérebro e da mente. De repente, e de forma totalmente inusitada, a neurociência entrava na pauta de um dos menores e menos desenvolvidos estados do Brasil; um recanto típico do paradisíaco Nordeste brasileiro do início do século 21, onde a beleza natural sem igual se via sitiada, por todos os lados, por baixos índices de desenvolvimento humano e pelo pior sistema educacional público do País.
Com sua capital, Natal, situada logo abaixo do Equador, e uma costa recheada de praias maravilhosas, camarões e frutas tropicais que atraíam turistas de todo o mundo, ninguém que conhecia de passagem o Rio Grande do Norte de 2003, nem os seus próprios habitantes, poderia imaginar que o pequeno estado, que se encaixa no mapa nordestino como um tímido elefante com a tromba em direção ao Ceará, pudesse um dia ingressar e, em poucos anos, apresentar com destaque mundial uma agenda científica inovadora para todo o País. Todavia, de repente, lá estava o Rio Grande do Norte, nas manchetes dos jornais do Sul maravilha, entrando no debate sobre como criar uma indústria do conhecimento tupiniquim.
O anúncio público, do que para muitos parecia um mero delírio utópico de algum cientista exilado, se deu durante uma entrevista ao vivo, no pequeno estúdio da TV Universitária, pertencente à Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Levando-se em conta as primeiras perguntas dos ouvintes, o que causou mais espanto foi a revelação do objetivo central da proposta dos “estrangeiros”: usar a ciência de ponta como um agente de transformação social.
Depois daquela noite, pelos próximos anos, o Rio Grande do Norte se transformaria no primeiro laboratório brasileiro de uma nova forma de fazer ciência: a ciência voltada para o desenvolvimento social e econômico de toda uma comunidade de excluídos que vivia, até então, quase à margem do sistema político-econômico vigente. Para implementar o projeto de transformação social por meio da prática científica, essa utopia nordestina propôs construir um“Campus do Cérebro” na zona rural da pequena cidade de Macaíba, na região metropolitana de Natal. Nesse Campus do Cérebro seria implementada a filosofia de usar a neurociência como foco de um programa educacional, começando no pré-natal das mães dos seus futuros alunos e continuando, com uma escola de tempo integral, a seguir seus pupilos, desde o nascimento até o final do ensino médio. Esse programa, hoje conhecido mundialmente, foi batizado com o sugestivo nome de Educação para Toda a Vida.
Foto: Divulgação
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O atendimento de pré-natal, hoje envolvendo mais de 12 mil consultas anuais, é oferecido pelo Centro de Saúde Anita Garibaldi, inaugurado em 2008. Apesar de ser um serviço público e gratuito, esse programa oferece os melhores recursos disponíveis da medicina moderna para o atendimento das mulheres de Macaíba, bem como o acompanhamento pediátrico e neuropediátrico dos seus filhos, nossos futuros alunos. No total, mais de 60 mil consultas de pré-natal já foram realizadas desde a sua criação.
Quase 13 anos depois daquele primeiro anúncio, tanto o IINN, rebatizado em 2006 como Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra (IINN-ELS), como o seu Campus do Cérebro se transformaram em realidade. Nesse período, apesar de muitos embates e tribulações, o IINN-ELS viu sua proposta de fazer ciência ganhar o mundo e se transformar num dos projetos científicos brasileiros mais reconhecidos pela comunidade internacional.
O carro-chefe da atuação social do IINN-ELS se deu pela construção do seu programa educacional que já atendeu mais de 11 mil crianças. No Rio Grande do Norte, o IINN-ELS estabeleceu duas unidades da Escola Alfredo J. Monteverde, que hoje ministram um currículo de educação científica para aproximadamente mil crianças por ano, na faixa etária de 10-15 anos, provenientes de mais de duas dezenas de escolas da rede pública de ensino de Natal e Macaíba. As duas unidades da Escola Alfredo J. Monteverde do IINN-ELS, apelidadas por seus alunos como verdadeiros “parques de diversões”, usam aulas práticas conduzidas em laboratórios, especialmente construídos para introduzir os conceitos mais importantes da ciência aos seus alunos. Uma terceira escola foi criada, nos mesmos moldes, para 400 alunos na cidade de Serrinha, na Bahia. Como resultado, oito anos depois do início desse programa educacional, nossos ex-alunos já começam a entrar em universidade federais e no Instituto Federal de Tecnologia (IFRN) da região, conquistas consideradas impossíveis, uma década atrás, para quem nascesse nos bairros de Felipe Camarão e Cidade Esperança, em Natal, ou na cidade de Macaíba. O exemplo de superação dessas crianças nordestinas é, sem dúvida nenhuma, a maior conquista do IINN-ELS.
Vale ressaltar que, nessas três escolas, os conceitos da neurociência moderna e o método científico servem como pilares para um projeto pedagógico no qual os alunos se transformam em protagonistas da própria educação. Nas escolas do IINN-ELS, os alunos são verdadeiros parceiros de professores e educadores, participando ativamente de cada passo do seu desenvolvimento intelectual e da aquisição de uma cidadania verdadeira e plena.
Além do seu centro de saúde e das suas escolas, o IINN-ELS  mantém, desde 2005, pesquisas na fronteira da neurociência moderna, incluindo o desenvolvimento de uma nova terapia que tem o potencial de revolucionar o tratamento do mal de Parkinson, doença que aflige milhões mundo afora. Com colaborações científicas estabelecidas com centros de pesquisa de ponta nos Estados Unidos, Suíça, França, Chile, Espanha, Alemanha e Suécia, o IINN-ELS é hoje também um centro de referência no Brasil e na América Latina da pesquisa em interfaces cérebro-máquina. Para comprovar essa liderança, desde 2010 o IINN-ELS sedia o Instituto de Interfaces Cérebro-Máquina (INCeMaq), um dos Institutos Nacionais do Brasil mantidos com recursos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
O IINN-ELS, desde 2009, participa do Projeto Andar de Novo, um consórcio científico internacional, sem fins lucrativos, que visa restaurar a mobilidade em pacientes paraplégicos através do emprego das interfaces cérebro-máquina. Como resultado do Projeto Andar de Novo, um jovem para-atleta brasileiro, Juliano Pinto, sofrendo com paralisia total das pernas e de metade do tórax há quase uma década, foi capaz de desferir o chute inicial da Copa do Mundo de Futebol de 2014, usando uma veste robótica controlada apenas pelo próprio pensamento. 
Com a conclusão da primeira fase de construção do Campus do Cérebro, tanto o programa científico como o projeto educacional do IINN-ELS passarão a ocupar dois novos prédios, construídos lado a lado nas suaves colinas do distrito de Jundiaí, em Macaíba. O primeiro servirá como sede primária de todas as pesquisas em neurociência do IINN-ELS, bem como de outras iniciativas em neuroengenharia focadas no desenvolvimento de novas tecnologias assistivas, dando continuidade ao Projeto Andar de Novo.
A pouco mais de 300 metros desse novo instituto de pesquisa, um prédio quase tão grande abrigará a Escola Lygia Maria, nova sede do programa Educação para Toda a Vida, oferecendo educação de altíssima qualidade humana e científica, em tempo integral, para 1.500 crianças potiguares, desde o nascimento até o final do ensino médio.
No livro Made in Macaíba, eu conto a história daquilo que, em 2003, alguns no Brasil taxaram apenas como um mero “grão de areia incapaz de atingir qualquer efeito de monta”. O que se viu, todavia, foi muito diferente. Essa é, portanto, a história de um exercício coletivo de cidadania, realizado por centenas de brasileiros – crianças, jovens e adultos – que, ao acreditarem piamente num sonho impossível, dedicaram todas as suas energias para construir uma verdadeira utopia; um experimento científico-social na direção de um verdadeiro projeto de nação, construído de baixo para cima e, contra todos os prognósticos, totalmente Made in Macaíba
*Paulistano e palmeirense de nascença, é professor titular de Neurobiologia, codiretor do Centro de Neuroengenharia da Universidade Duke, na Carolina do Norte (EUA), e idealizador e diretor do Instituto Internacional de Neurociências Edmond e Lily Safra em Natal (RN).