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segunda-feira, 27 de julho de 2015

Cantando a pedra (por Márcio Ezequiel) - Sul 21

SE NÃO TIVESSEM FALTADO À AULA DE HISTÓRIA OU SE LIMITADO A DECORAR UNS CEM NOMES DE CELEBRIDADES, SEM DÚVIDA QUE NÃO ESTARIAM ACREDITANDO NAS LENDAS URBANAS ESTAMPADAS NA MÍDIA GOLPISTA



27/jul/2015, 8h10min

Cantando a pedra (por Márcio Ezequiel)

Um dos argumentos que mais se ouve nas redes sociais ao governo federal é o de que nunca se roubou tanto. E canta-se insistentemente a tal pedra. Revisitando a história do país, percebemos que não é bem por aí. Aliás, tampouco é de ontem ou de anteontem. Veio de caravela e lançou âncoras em tempos longínquos. Leiamos e releiamos o que pesquisaram e apuraram trabalhos de relevo como Os Donos do Poder, de Raymundo Faoro,As veias abertas da América Latina, de Eduardo Galeano e A arte de furtar, com suposta autoria do padre Manuel da Costa. Este último seria quase um wikileaks português do século XVII, dadas as polêmicas de sua narrativa.
Desde antes do período Colonial, quando o Brasil nem era Brasil, a extração retumbante da madeira cor de brasa atraía levas de piratas dos reinos concorrentes a Portugal. Contrabando, pilhagens e sonegação (perdoem o anacronismo) de impostos e taxas devidos à insaciável Coroa estavam na (des)ordem daqueles dias. A despeito de haver já um solo explorado e dos filhos desse solo serem tratados de modo nada gentil, (o que independe da verificação de reciprocidade, pois dominados não dominam e sim resistem), a rapinagem vem de berço e nada há de esplêndido nisso, desde que não se caia na repetida assertiva do senso comum.
Voltando aos trilhos da história, deparamo-nos com a desenfreada corrida pelo ouro (assim como rolava com a prata latino-americana), que geravam toda sorte (ou azar) de corrupções e desvios por agentes de uma burocracia distante das vistas da Metrópole, bem como por colonos ávidos por uma riqueza fácil. Ou seja, atentemos para a dobradinha corrupto-corruptor, válida hoje tanto quanto naqueles áureos tempos.
Tais exemplos, ainda que nos chovam no molhado, caem aos cântaros, como no período Imperial, quando se pagou alta indenização a Portugal pela Independência, originando nossa dívida externa com recursos tomados de empréstimo da Inglaterra, a nação mais amiga de todas desde que investira na fuga estratégia da família real em 1808. Os primeiros donos do poder foram, por assim dizer, primeiro os portugueses e depois os ingleses. Logo, fariam fila os da terra, oligarcas paulistas e mineiros. Era o café com leite e corrupção.
Roubavam-se riquezas e roubavam-se votos. Ou o chamado voto de cabresto do coronelismo seria menos corrupto? O revide veio com o golpe da Revolução burguesa de 30. E se por um lado, Vargas amarrou seu cavalo no obelisco da corrupção, logo apeou e marchou sobre um mar de lama denunciado pelo borra-botas Carlos Lacerda. Com suas denúncias puxou-se o gatilho não apenas contra o peito do presidente, mas contra o coração das investigações da época e o velho acabou entrando para a história como o pai dos pobres e a mãe dos ricos.
As empreiteiras que construíram Brasília tiveram seus 15 minutos de fama e fortuna dentro dos 50 anos em 5 de JK. Segundo a tese de Pedro Henrique Pedreira Campos, A ditadura das empreiteiras, foi quando se alicerçaram os grandes conglomerados das construtoras. E tal casamento teria a lua de mel gozada no período militar. As megaconstruções como a Rio-Niterói, as hidrelétricas e a interrompida Transamazônica geraram muito dinheiro a estes grupos. E citam-se os mesmos nomes de empreiteiras que aparecem no repetitivo noticioso da Lava-jato. Ou seja, seria muita ingenuidade achar que só agora ocorrem os desvios de percurso na perniciosa relação capital-poder. A diferença é que, até a história mais recente do Brasil, não se falava em corrupção sem retaliação. Hoje há liberdade e maior autonomia para investigação e se assim não o fosse não haveria tanto pano pra manga aos que reduzem as averiguações a caça às bruxas ou a meros argumentos golpistas.
O país precisa avançar no enfrentamento à roubalheira sem ignorar ou esquecer as origens do que deva ser investigado na contemporaneidade. Não é privilégio de nosso tempo, nem criação do governo atual – mérito não analisado aqui, posto que ainda em processo. Nosso dever cidadão consiste, entretanto, na defesa da manutenção e amadurecimento das instituições democráticas, sem nos tornarmos reprodutores de um denuncismo alienado. Cobre-se antes todo o empenho na apuração das irregularidades para que se cantem todas, da primeira até a última pedra.
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Márcio Ezequiel é escritor e historiador. Mestre em História/UFRGS, publicou Alfândega de Porto Alegre: 200 anos de História (2007); Leia antes de jogar fora (crônicas, 2011); Agenda, o livro dos dias (crônicas, 2013) e Receita Federal: História da administração tributária no Brasil (2014). www.marcioezequiel.com.br
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