Os acordos de cooperação premiada e a aplicação da pena – Por Afranio Silva Jardim
Por Afranio Silva Jardim – 23/05/2017
Agora começo a entender por que não são divulgados os prêmios prometidos aos delatores.
Impressionante é o “desembaraço festivo” dos corruptores da Odebrecht e dos “marqueteiros” João Santana e Mônica Moura, segundo se vê pelos vídeos de suas delações.
Os maiores corruptores da América Latina ficarão praticamente impunes? Emílio Odebrecht, ao que sei, não ficou preso sequer um dia. Seu filho, Marcelo, não ficará preso por mais de 3 anos, segundo antiga delação premiada, embora condenado a várias dezenas de anos!!! E os referidos “marqueteiros” estarão livres para sempre??? Isto vale também para a recente “delação” do grupo JBS.
Por que não se esclarece qual o ” prêmio” desses sinistros personagens e dos diversos outros executivos da Odebrecht e dos “donos” da JBS?
Ao que parece, estes empresários corruptores ficarão isentos até mesmo de serem indiciados em inquéritos policiais, que são necessários para apurar suas condutas em detalhes. Isso foi dito por uma emissora de rádio, quando as suas delações estavam para ser homologadas.
Se assim for, a meu juízo, teremos mais uma ilegalidade da chamada ” Operação Lava-Jato”, pois o artigo quarto, da Lei 12.850/13, não prevê este benefício aos delatores.
O que se percebe é que o nosso ” sistema de justiça criminal” continua contaminado pela ideologia decorrente de uma sociedade de classes. A sua seletividade é gritante pois, no caso em espécie, objetiva punir apenas os políticos corruptos. Empresário punido, só se for o ” amigo do Lula”…
O Estado de Direito é incompatível com este poder discricionário que o Ministério Público Federal julga lhe ter sido outorgado …
Por exemplo: qual o critério utilizado pelos Procuradores da República para aceitarem ou não esta ou aquela “delação”? Quem fiscaliza tudo isso? Que poder ilimitado é este? A sociedade não tem direito de saber como se negociam penas e regime de penas?
Procuradores da República e réus confessos estão criando penas e regimes de penas não previstos em nosso sistema jurídico; pior, estão criando penas e regimes de penas vedados pelo Direito Penal e Processual Penal. Tenho denunciado, de forma reiterada, tudo isso aqui no site Empório do Direito. Trata-se do absurdo do “negociado acima do legislado” …
A televisão mostrou a “festança” que são estas penas a serem cumpridas em “regime domiciliar diferenciado”. Diferenciadas são as mansões destes corruptos confessos.
Pode-se dizer que a Lava Jato é cadeia para quem eles desejam e mansões para quem eles desejam. Punição para quem eles desejam e impunidade para quem eles desejam. Eles decidem a quem se aplica a Lei Penal e a quem não se aplica a Lei Penal … Virou uma verdadeira “bagunça” o nosso sistema de justiça criminal.
Desta forma, ficarão praticamente impunes todos aqueles que “sequestraram” nossa frágil democracia com o dinheiro do povo.
A história não os absolverá, nem mesmo aqueles que estão sendo complacentes com os crimes destes corruptores.
Agora, começo a entender esta falta de “transparência” em relação aos acordos de cooperação premiada (delação premiada).
Algumas matérias, publicadas na “mídia alternativa”, esclarecem que os delatores da empresa Odebrecht combinaram com o Ministério Público Federal a aplicação de uma suave pena (ainda não divulgada), sem que sejam sequer indiciados em inquéritos policiais e sejam réus em processos criminais. Vale dizer, penas de “prisão” domiciliares sem sentença penal condenatória, sem título executivo penal !!! Parece que o mesmo está destinado para os irmãos Batista da JBS.
A chamada “Operação Lava Jato” ousa chegar a este total absurdo jurídico: simulacro de pena, sem inquérito policial, sem processo e sem sentença penal condenatória !!! O espanto maior é que esta violência ao Estado de Direito foi homologada no âmbito do Supremo Tribunal Federal !!!
Vejam tudo através dos seguintes links:
Para tentar coibir situações inusitadas como estas, é que temos sustentado que o acordo de cooperação premiada não pode individualizar a pena e seu regime, pois a aplicação das sanções penais é ato jurisdicional, de exclusiva competência do Poder Judiciário.
Neste sentido, está correto o pronunciamento do ministro Marco Aurélio do Supremo Tribunal Federal, consoante link que menciono ao final deste texto.
O acordo de cooperação premiada não pode fixar, individualizar ou determinar a pena a ser aplicada pelo Poder Judiciário. Cabe ao juiz da condenação escolher o prêmio previsto no artigo 4 da lei 12.850/13 e individualizar a pena, tendo em vista os critérios do art.59 do Código Penal e a veracidade da “delação”, sua eficácia e proveito para a investigação.
O Ministério Público não pode acordar penas individualizadas e determinadas, mormente ao arrepio do Código Penal e da Lei de Execução Penal. O Ministério Público não pode vincular o Poder Judiciário, obrigando-o a aplicar esta ou aquela pena. O Ministério Público não pode “esfarrapar” o Estado Democrático de Direito.
De há muito, venho defendendo tudo isso, com veemência e reiteradamente, conforme se vê de inúmeros textos publicados no site Empório do Direito. A Constituição Federal consagra o “princípio da individualização das penas”, outorgando ao Poder Judiciário a sua aplicação.
Finalmente, uma voz lúcida no Poder Judiciário sobre as chamadas “delações premiadas”.
Um pequeno reparo: ao Poder Judiciário não cabe “negociar” os benefícios, mas sim concedê-los ou não na sentença condenatória, escolhendo o que julgar cabível aplicar no caso concreto.
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Afranio Silva Jardim é professor associado de Direito Processual Penal da Uerj. Mestre e Livre-Docente de Direito Processual (Uerj). Procurador de Justiça (aposentado) do Ministério Público do E.R.J.
http://emporiododireito.com.br/os-acordos-de-cooperacao-premiada-e-a-aplicacao-da-pena/
Afranio Silva Jardim é professor associado de Direito Processual Penal da Uerj. Mestre e Livre-Docente de Direito Processual (Uerj). Procurador de Justiça (aposentado) do Ministério Público do E.R.J.
http://emporiododireito.com.br/os-acordos-de-cooperacao-premiada-e-a-aplicacao-da-pena/