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quinta-feira, 13 de julho de 2017

A esquerda atual e seus moinhos de vento, parte I – Nacionalismo, por Gustavo Castañon – Revista Lingua de Trapo



(Este é o primeiro de cinco pequenos e informais artigos nos quais defendo que a razão pela qual a esquerda não consegue retomar o protagonismo político num capitalismo em crise são cinco adversários desnecessários e insuperáveis.)

A esquerda atual está perdida numa conjuntura global altamente desfavorável para o capitalismo.
Isolada, não consegue responder ao chamado de nosso tempo porque, entre outras coisas, não pode mobilizar ao seu lado, na luta contra o capital internacional, forças e ideias às quais se opõe em razão de seus erros teóricos históricos.
O nacionalismo é uma dessas forças. Esse poderoso vetor de mobilização da sociedade geralmente é rejeitado pela esquerda e, como sempre, apropriado pela direita.
Donald Trump, Marine Le Pen e o Brexit não são resultado de um racismo redivivo no primeiro mundo como a mídia globalista quer mostrar, mas da revolta crescente contra a globalização e os efeitos da destruição progressiva dos estados nacionais.
São resultado basicamente de a esquerda não ser capaz de empunhar essas bandeiras.
Especialmente o povo europeu está a cada dia mais revoltado com suas elites econômicas e políticas (e isso inclui seus partidos social-democratas), rendidas ideologicamente ao neoliberalismo e ao projeto neocolonial da União Europeia.
Ele quer defender tudo o que a Europa conquistou no pós-guerra, guiada pelo keynesianismo e pelo projeto de construção de um estado de bem-estar social.
Essas políticas nacional-desenvolvimentistas construíram um parque industrial, um mercado interno e uma rede de proteção social que o mundo jamais havia visto, o ponto mais alto a que a civilização já chegou em liberdade, igualdade, justiça e riqueza.
O ataque a esse modelo começa nos anos 80, com Thatcher no Reino Unido e o projeto da União Europeia centrado da destruição do principal instrumento do estado nacional: a moeda própria.
Com o neoliberalismo e a era das grandes corporações, o conceito de “nacionalismo” se torna um anátema para o capital. As multinacionais há muito tinham relativizado as fronteiras nacionais. Elas não exploravam mais somente seus trabalhadores, mas países inteiros. Seus lucros não dependiam mais do mercado interno.
Ao contrário, boa parte do produto nacional bruto dos países de primeiro mundo vinha da atividade das grandes corporações no exterior. A partir desse momento, o estado nacional se tornou um obstáculo ao seu lucro e poder. Um dos últimos.
Mas boa parte da esquerda permaneceu imune à nova realidade. Isso porque, para o marxismo-leninismo, a classe trabalhadora é uma só, internacional, e deve se opor ao nacionalismo como parte da luta contra o capitalismo.
O nacionalismo é visto como parte do aparato de propaganda ideológica da classe dominante para preservar o modo de produção, mascarando a verdadeira natureza da divisão social que existe, não entre nações e povos, mas entre classes sociais.
Mais recentemente, a esquerda incorporou a esse rechaço do nacionalismo o rechaço do chauvinismo, racismo e xenofobia. Parece justo.
Mas não é.
Nacionalismo não é sinônimo de isolacionismo, chauvinismo, racismo, xenofobia ou belicismo.
Essas barbáries podem sim se agregar a alguns movimentos nacionalistas, mas não são sua essência.
Nacionalismo está para a nação como as liberdades individuais estão para o sujeito.
Nacionalismo não é uma doutrina imbecil que defende que sua cultura é a melhor, que sua nação é formada por uma raça superior ou que deve se fechar ao imigrante.
Nacionalismo é o sentimento de família estendido a um grupo cultural, às vezes étnico, que compartilha a mesma região geográfica e defende seu direito de se auto-organizar, de se autodeterminar segundo sua cultura, para alcançar o máximo potencial de sua forma de vida, para escolher seu próprio destino.
Como tal, ele pode ser poderosa ferramenta de libertação.
Ele não é nada mais do que a crença de que devemos cuidar dos interesses de nosso povo antes do interesse de outros povos, mas não necessariamente contra eles.
Exatamente pelos mesmos motivos que devemos salvar nossa vida antes que a dos outros, que devemos cuidar de nossa família antes que das outras.
E não é porque ela mereça mais que as outras. Mas porque sabemos que, se nós não cuidarmos, ninguém mais o fará. Porque é nosso quinhão de responsabilidade nesse mundo.
Não se podem suprimir sentimentos nacionalistas. Eles são fruto do mais natural sentimento de amor que brota na pessoa saudável pela terra e pelo povo que lhe deu a vida e o viu crescer, pela cultura que o nutriu, além de pelos filhos e gerações que virão.
A esquerda não deve deixar de se apropriar desse sentimento natural e poderoso para impedir que sejamos um país sem indústria, sem estado, sem futuro.
Não pode fazer coro distraído com os interesses do capital apátrida corporativo contra anseios populares de retomar o controle sobre sua moeda, mercado e governo, tratando o nacionalismo como uma coisa anacrônica.
Pois é isso o que fazem os mais odiados pela população europeia hoje, os neoliberais que se proclamam cidadãos do mundo para virar as costas a sua gente e servir às grandes corporações e seus interesses financeiros.
Porque quem não considera os interesses de seu povo é somente cidadão de si mesmo, sua pátria é seu ego.
E assim como quem não ama seus filhos não pode amar ninguém, quem não é cidadão nem de sua própria pátria, não pode ser cidadão do mundo.
A luta da esquerda no século XXI ou será contra as transnacionais, ou não será.
Lutemos. Essa é uma luta que não poderá ser travada sem o estado nacional.
A esquerda atual e seus moinhos de vento, parte I – Nacionalismo, por Gustavo Castañon – Revista Lingua de Trapo

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