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sexta-feira, 24 de abril de 2015

Valter Pomar: A guerra não é "do" PT. É contra o PT



quinta-feira, 23 de abril de 2015

A guerra não é "do" PT. É contra o PT

A direita brasileira adora trocar palavras. 

Fala que retrocesso é reforma, chama golpe de revolução.

Mas a versão clássica é transformar a vítima em agressor.

É o que faz o jornal O Estado de São Paulo, no editorial "A guerra do PT", publicado no dia 23 de abril e reproduzido ao final.

Analisando várias teses inscritas para debate no quinto congresso partidário, o editorial do Estadãoacusa: "o PT julga que está em guerra". 

E pergunta: "De que guerra falam os petistas? Contra quem eles acreditam travar batalhas de vida ou morte, em plena democracia? Qual seria o terrível casus belli a invocar, posto que todos os direitos políticos estão em vigor e as instituições funcionam perfeitamente?"

Quem pergunta, quer resposta, assim aqui vai: existe um setor da direita, do grande capital e do oligopólio da mídia que trabalha abertamente pela interdição do PT, incluindo aí a cassação da legenda partidária, a prisão de dirigentes e a desmoralização política do petismo.

Se o PT fosse o único alvo, seria um problema apenas dos petistas.

Mas o alvo é mais amplo: está na mira o conjunto dos direitos das classes trabalhadoras brasileiras.

Não por acaso, o ataque contra o PT coincide com a votação da PL 4330 (que rasga a CLT), com a ameaça de adoção do voto distrital (questionando a democrática representação proporcional) e com uma nova campanha pela privatização do petróleo.

Não por acaso, o editorial do Estadão contra o PT ataca também "a inversão moral que levou o governador petista de Minas, Fernando Pimentel, a condecorar o líder do MST, João Pedro Stédile, um notório fora da lei, com a Medalha da Inconfidência, que celebra a saga libertária de Tiradentes".

Aliás, a respeito de Stédile recomendamos assistir ao editorial do "Grupo Bandeirantes", disponível no link https://www.youtube.com/watch?v=d3mVna6N8as


Para aqueles setores da direita, do grande capital e do oligopólio da mídia, atacar e interditar o PT é um passo indispensável para romper um impasse político de fundo, a saber: nosso sistema político-eleitoral não agrada nem a oposição de direita, nem agrada a esquerda.

A oposição de direita assistiu as atuais regras do jogo permitirem (ou não impedirem) ao PT vencer por quatro vezes a presidência da República.

A esquerda assistiu as atuais regras do jogo permitirem (e estimularem) a formação de maiorias congressuais de centro-direita.

A esquerda tenta resolver este impasse político através de uma reforma política democratizante, Assembléia Constituinte e participação popular.

A direita tenta resolver o impasse via reforma política conservadora, judicialização da política e criminalização da mobilização social.

O impasse político desgasta a esquerda (que não consegue maioria congressual para implementar mudanças) e fortalece a direita (que sonha com utilizar a maioria congressual não apenas para achacar e sabotar o governo, mas também para fazer o impeachment).

Uma solução popular para a crise política passa por mais democracia, não por menos democracia. 

Por isto nossa defesa da Assembleia Constituinte, da participação popular e da legitimidade dos processos eleitorais. Se a oposição de direita quer nos derrotar, que se organize para disputar as eleições de 2016 e 2018.

O impasse político decorre, por sua vez, de um impasse econômico-social de fundo. 

Assim como 1954 e 1964 não foram por acaso, o que está ocorrendo agora também não é por acaso.

Toda vez que o Brasil teve governos que adotaram uma política externa soberana, que garantiram progressos na qualidade de vida do povo e certa ampliação nas liberdades democráticas, as classes dominantes reagiram em favor das medidas opostas: dependência externa, restrições às liberdades, desigualdade social.


Hoje vivemos mais um destes momentos de definição entre dois caminhos para o Brasil: ou bem regressamos ao desenvolvimento conservador de viés neoliberal, com dependência externa, restrições às liberdades democráticas e aprofundamento da desigualdade social; ou bem avançamos em direção a um desenvolvimento de novo tipo, democrático-popular e articulado ao socialismo.

Isto dito, não existe uma guerra "do" PT.

Existe uma guerra "contra" o PT e contra os direitos da maioria do povo brasileiro.

E tanto o PT quanto a maioria do povo podem e devem exercer seu direito de defesa.

Não é preciso ser petista nem de esquerda para perceber e concordar com isto.


ps. quem tem dúvidas acerca do estado de ânimo da direita, recomendamos ler e ouvir o que reproduzimos a seguir.




A guerra do PT
– editorial – 
O Estado de S. Paulo
23 de abril

O PT julga que está em guerra. É o que está escrito, com todas as letras, nas "teses" apresentadas pelas diversas facções que compõem o partido e que serão debatidas no 5.º Congresso Nacional petista, em junho.
De que guerra falam os petistas? Contra quem eles acreditam travar batalhas de vida ou morte, em plena democracia? Qual seria o terrível casus belli a invocar, posto que todos os direitos políticos estão em vigor e as instituições funcionam perfeitamente?
As respostas a essas perguntas vêm sendo dadas quase todos os dias por dirigentes do PT interessados, antes de tudo, em confundir uma opinião pública crescentemente hostil ao "jeito petista" de administrar o País. O que as "teses" belicosas do partido fazem é revelar, em termos cristalinos, o tamanho da disposição petista em não largar o osso.
"Precisamos de um partido para os tempos de guerra", conclama a Articulação de Esquerda em sua contribuição para o congresso do partido. Pode-se argumentar que essa facção está entre as mais radicais do PT, mas o mesmo tom, inclusive com terminologia própria dos campos de batalha, é usado em todas as outras "teses". Tida como "moderada", a chapa majoritária O Partido que Muda o Brasil avisa que "é chegado o momento de desencadear uma contraofensiva política e ideológica que nos permita retomar a iniciativa".
A tendência Diálogo e Ação Petista conclama os petistas a fazer a "defesa dos trabalhadores e da nação", como se o Brasil estivesse sob ameaça de invasão, e diz que as "trincheiras" estão definidas: de um lado, a "direita reacionária"; de outro, os "oprimidos". A chapa Mensagem ao Partido quer nada menos que "refundar o Estado brasileiro", por meio de uma "revolução democrática" - pois o "modelo formal de democracia", este que vigora hoje no Brasil, com plena liberdade política e de organização, "não enfrenta radicalmente as desigualdades de renda e de poder".
Da leitura das "teses" conclui-se que o principal inimigo dos petistas é o Congresso, pois é lá que, segundo eles dizem, se aglutinam as tais forças reacionárias. O problema - convenhamos - é que o Congresso representa a Nação, o povo. Se o Congresso resiste a aceitar a agenda do PT, então a solução é uma "Constituinte soberana e exclusiva", cuja tarefa é atropelar a vontade popular manifestada pelo voto e mudar as regras do jogo para consolidar o poder das "forças progressistas" - isto é, o próprio PT.
Uma vez tendo decidido que vivem um estado de guerra e estabelecidos quem são os inimigos, os petistas criam a justificativa para apelar a recursos de exceção - o chamado "vale-tudo". O principal armamento do arsenal petista, como já ficou claro, é o embuste. O partido que apenas nos últimos dez anos teve dois tesoureiros presos sob acusação de corrupção, que teve importantes dirigentes condenados em razão do escândalo da compra de apoio político no Congresso e que é apontado como um dos principais beneficiários da pilhagem da Petrobrás é o mesmo que diz ter dado ao País "instrumentos inéditos" para punir corruptos. Há alguns dias, o ex-presidente Lula chegou ao cúmulo de afirmar que os brasileiros deveriam "agradecer" ao PT por "ter tirado o tapete que escondia a corrupção".
É essa impostura que transforma criminosos em "guerreiros do povo brasileiro", como foram tratados os mensaleiros encarcerados. Foi essa inversão moral que levou o governador petista de Minas, Fernando Pimentel, a condecorar o líder do MST, João Pedro Stédile, um notório fora da lei, com a Medalha da Inconfidência, que celebra a saga libertária de Tiradentes. A ofensiva dos petistas é também contra a memória nacional.
Ao explorar a imagem da guerra para impor sua vontade aos adversários - inclusive o povo -, o PT reafirma seu espírito totalitário. A democracia, segundo essa visão, só é válida enquanto o partido não vê seu poder ameaçado. No momento em que forças de oposição conseguem um mínimo de organização e em que a maioria dos eleitores condena seu modo de governar, então é hora de "aperfeiçoar" a democracia - senha para a substituição do regime representativo, com alternância no poder, por um sistema de governo que possa ser totalmente controlado pelo PT, agora e sempre.



Editorial Grupo Bandeirantes condena atitude do governador mineiro Jornal da Band band com br:
https://www.youtube.com/watch?v=d3mVna6N8as

Valter Pomar: A guerra não é "do" PT. É contra o PT

CLAUDICANDO: Como os EUA ajudaram a criar o Estado Islâmico



sexta-feira, 24 de abril de 2015

Como os EUA ajudaram a criar o Estado Islâmico

estado islamico

Publicado na BBC Brasil.
Um dos grupos extremistas mais poderosos da atualidade, o autointitulado ‘Estado Islâmico’, nasceu em um lugar surpreendente: uma prisão americana no deserto do Iraque.
Isto segundo analistas e comandantes que instalaram a prisão de Camp Bucca, no sul do Iraque, e os soldados que trabalharam no local.
Camp Bucca não era o nome original da prisão. Logo depois da invasão do Iraque, a instalação foi batizada de Camp Freddy pelas forças britânicas.
Mas, em abril de 2003, quando os americanos assumiram o controle do campo de detenção, ele foi rebatizado para homenagear Ronald Bucca, um chefe de bombeiros de Nova York que morreu durante os trabalhos de resgate após os ataques de 11 de setembro de 2001 contra as torres do World Trade Center.
O centro de detenção fica nos arredores da cidade de Basra, sul do Iraque, e foi considerado uma prisão modelo, com unidades habitacionais de cimento e teto de madeira, atividades gerenciadas pelos próprios detentos, direito a visita familiar e assistência médica. 
Camp Bucca chegou a ter 27 mil detentos espalhados em 24 campos e classificados com uniformes de cores diferentes. Muitos destes detentos foram para a prisão transferidos de Abu Ghraib, depois do escândalo de torturas e abuso de prisioneiros.
Por esta prisão passaram, entre outros, nove integrantes da cúpula do ‘Estado Islâmico’, segundo um relatório do Soufan Group, uma organização que oferece serviços estratégicos de inteligência em segurança a governos e multinacionais. O informe, chamado The Islamic State, foi publicado em novembro de 2014.

‘Universidade’

O líder do ‘Estado Islâmico’, Abu Bakr al-Baghdadi, que afirma ser o califa e “líder de todos os muçulmanos”, passou cinco anos em Camp Bucca.
Em fevereiro de 2004 al-Baghdadi estava em uma prisão em Fallujah, a oeste da capital iraquiana, Bagdá, quando foi transferido para o complexo no deserto.
Ele estava com 33 anos e há alguns meses tinha ajudado a fundar o Jeish Ahl al-Sunnah al-Jamaah, um grupo militante com raízes nas comunidades sunitas nos arredores de sua cidade natal, Samarra.
Aqueles eram os tempos da insurgência sunita contra os Estados Unidos. 
Mas, o grupo que ele ajudou a fundar não era muito conhecido e, por isso, ele chegou a Camp Bucca sem muita fama.
“Os americanos não sabiam quem estavam prendendo”, disse Hisham al-Hashimi, assessor do atual governo do Iraque.
Em Camp Bucca, al-Baghdadi conheceu aquele que seria o número dois na cúpula de poder do ‘Estado Islâmico’, Abu Muslim al-Turkmani, assim como o experiente militar Haji Bakr, já falecido.
E, de acordo com o Soufan Group, também esteve na prisão Abu Qasim, líder dos combatentes estrangeiros.
Para analistas, Camp Bucca apenas aprofundou o extremismo entre eles.
“Antes de sua prisão, al-Baghdadi e outros eram radicais violentos (…), mas seu tempo na prisão aprofundou seu extremismo e deu a eles a oportunidade de aumentar o número de seguidores”, afirmou o ex-militar Andrew Thompson ao jornal The New York Times em novembro de 2014.
“A prisão se transformou em uma universidade virtual de terroristas”, acrescentou. 
David Petraeus, general que liderou a operação americana no Iraque, já tinha reconhecido este fato quase com as mesmas palavras.
“Estes extremistas estavam, basicamente, gerenciando uma universidade para treinar terroristas em nossas próprias instalações. Estávamos liberando indivíduos que eram mais radicais do que quando chegaram (a Camp Bucca)”, afirmou.

Radicalização

O chefe da polícia iraquiana, Saad Abbas Mahmoud, também se referiu à radicalização dentro de Camp Bucca em uma entrevista ao jornal americano The Washington Post.
“Estes homens não estavam plantando flores no jardim.”
James Skylar Gerrond, comandante encarregado da prisão entre 2006 e 2007, tem esta mesma opinião.
“Muitos de nós em Camp Bucca nos preocupávamos que, ao invés de apenas alojar os detidos, também tínhamos criado uma panela de pressão do extremismo”, escreveu Gerrond em sua conta no Twitter.
Os analistas também afirmam que Camp Bucca não foi apenas um lugar para a radicalização, mas também para a colaboração.
Foi naquela prisão que os membros do Baath, o partido do ex-líder iraquiano Saddam Hussein, se encontraram com os fundamentalistas islâmicos. E isto acabou em um “casamento de conveniência”, segundo o Soufan Group. 
Os analistas afirmam que cada grupo ofereceu o que o outro precisava. Assim, os jihadistas aprenderam com os membros do Baath habilidades para se organizar e disciplina militar. E os baathistas, por outro lado, encontraram um propósito entre os militantes islamistas.
“Em Bucca, as matemáticas mudaram quando as ideologias adotaram traços militares e burocráticos e os burocratas se transformaram em extremistas violentos”, afirmou o relatório do Soufan Group.
De acordo com o jornalista da BBC Peter Taylor, que tem 35 anos em assuntos como insurgência e violência política, conhecer estes fatos é fundamental para entender o fenômeno que é o ‘Estado Islâmico’.
O EI é um grupo que, em poucos meses, levantou uma fortuna calculada em US$ 2 bilhões, [1] controla grandes áreas na Síria e Iraque, onde vivem cerca de 8 milhões de pessoas, conta com cerca de 50 mil combatentes, usa com muita habilidade as redes sociais para fazer propaganda e, conseguiu levar cerca de 12 mil militantes estrangeiros a prometerem fazer parte da Jihad.
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Ester Rabello: Uma frase com 35 anos de História e ainda atual, "o povo não é bobo, abaixo a Rede Globo" - Viomundo - O que você não vê na mídia

Ester Rabello: Uma frase com 35 anos de História e ainda atual, “o povo não é bobo, abaixo a Rede Globo”

publicado em 24 de abril de 2015 às 20:08
CAMPEONATO PAULISTA 2015: SANTOS FC X SÃO PAULO FC
Na Vila Belmiro, o protesto. Vai ter camisa do Santos com o símbolo da Record?
“O povo não é bobo, abaixo a Rede Globo”
por Ester Rabello, especial para o Viomundo
É difícil encontrar alguém que nunca tenha ouvido o bordão que dá título a esse artigo, gritado em manifestações de rua, comícios e outros tipos de aglomeração, como no discurso de vitória de Dilma Roussef, quando a presidente eleita teve que se calar enquanto ouvia o desabafo.
Em meio a outras palavras de ordem, sempre sai o clássico “o povo não é bobo, abaixo a Rede Globo”. Nos dias de hoje, muitas vezes a frase vem junto com outra: “A verdade é dura, a Rede Globo apoiou a ditadura”.
Neste ano em que a Globo completa meio século, as manifestações contra a emissora, fundada um ano após o golpe militar de 1964, estão acontecendo com maior intensidade. No 3 de março houve protestos em algumas capitais, como Rio de Janeiro, Belo Horizonte, São Paulo e Vitória. Em nenhum deles havia mais que 500 pessoas, mas o barulho acabou sendo grande nas redes sociais.
— Sempre quis enterrar a Globo, desde criancinha, afirmou uma manifestante fantasiada de viúva, ao lado de uma caixão de papelão com o logo da emissora.
Na concentração diante da sede do império global, no Jardim Botânico, organizada pelo Sindipetro, o Sindicato dos Petroleiros, ficaram claros os motivos do protesto: a cobertura desequilibrada da Operação Lava Jato, a sonegação de impostos da Globo e a conivência com a ditadura militar…
A maioria dos manifestantes era de pessoas com mais de 50 anos de idade. Reclamavam da falta de cobertura da emissora à campanha das Diretas, nos anos 80, algo que os jovens de hoje não vivenciaram.
Este “choque de gerações” pode até levar quem tenha nascido nos anos 90 a acreditar que o bordão “o povo não é bobo, abaixo a Rede Globo” seja coisa recente.
Se perguntarmos a um jovem na faixa entre 20 e 30 anos de onde vem a frase contra a emissora, talvez ele responda como Daniella Teixeira, 22 anos, que participou das manifestações de junho de 2013 na cidade de Guiratinga, em Mato Grosso:
— Olha, não posso afirmar com certeza, mas ela [a frase] estava sempre presente nas caminhadas, talvez como resposta ao enfoque que a Globo dava, como se fossem todos baderneiros. O povo não é bobo, mas a massa é manipulável, muita gente vai só no oba oba e o povo percebeu que havia muita manipulação da informação, mostrando só um lado da notícia. Os jovens percebiam a manipulação da imprensa, que taxava todo mundo de vândalo. Aqui, por exemplo, o movimento foi pacífico.
Na cidade da artesã, que faz decalques de unha para vender pela internet, as manifestações foram contra desde o gasto de 1 milhão de reais para tapar um buraco na rodovia, até o corte de uma árvore antiga. Sobre a frase relativa à Globo, Daniella acha que ela nasceu em 2013.
o-povo-não-é-bobo
Mas se você perguntar ao deputado federal Vicentinho (PT-SP), um dos líderes das greves do ABC, ele diz que lembra muito bem da primeira vez que ouviu o grito contra a emissora dos irmãos Marinho. Foi em São Bernardo do Campo, numa das assembleias de metalúrgicos grevistas, no final dos anos 70, no estádio da Vila Euclides.
— Sempre gritavam. Nós tínhamos boas relações com os jornalistas. O foco era a Globo. A gente lotava o estádio e a Globo minimizava, sempre diminuindo a quantidade de pessoas. Tinha gente da direita infiltrada na greve, gente que fazia quebra-quebra. A gente pegava, denunciava e a Globo não dava [noticiava].
Vicentinho lembra de ajudar a proteger repórteres da emissora para que não apanhassem dos grevistas.
— A gente ficava em volta deles e o Lula gritando, “gente, eles são trabalhadores, uma coisa é a empresa, outra são os jornalistas”.
Ricardo Kotscho, ex-secretário de imprensa do governo Lula, era repórter da revista IstoÉ na época. Viu várias vezes metalúrgicos chutando os carros de reportagem da Globo, desde a época em que as assembleias ainda eram feitas nas ruas de São Bernardo.
Cobrindo as assembleias naquela época, Kotscho recorda:
— Eles [equipes da emissora] iam cobrir, mas depois a Globo mostrava só um registro.
Os gritos de “fora Rede Globo, o povo não é bobo” continuaram ao longo dos anos 80. Por exemplo, na campanha das “Diretas Já” e no movimento pelo impeachment do presidente Fernando Collor.
— Menos na [manifestação] de março, agora. Nessa, a Globo não só apoiou, como apoiou de forma ostensiva, aponta Kotscho.
O jornalista Osvaldo Maneschy, um dos assessores de Leonel Brizola, está no PDT desde os anos 80.
Afirma que ouviu pela primeira vez uma multidão gritando “o povo não é bobo, abaixo a Rede Globo” na Cinelândia, em 1986, em um comício de campanha do então vice-governador do Rio, Darcy Ribeiro, que disputava o Palácio Guanabara contra o candidato preferido da Globo, Moreira Franco.
— A Globo é a pauteira. Depois [o assunto] sai no [jornal] Globo do dia seguinte, no fim de semana na Veja e assim vai…
Foi o caso, segundo Maneschy, das notícias que acusavam Brizola de ter feito acordo com traficantes de drogas.
Para Fernando Brito, assessor de Brizola, a Globo fez uma péssima cobertura já da chegada dos exilados políticos. Mas, segundo ele, foi o “caso Proconsult” que levou ao primeiro enfrentamento do povão com a emissora. Durante a primeira eleição direta para governador do Rio, em 1982, a Globo foi acusada por Brizola de tentar manipular o resultado das apurações, o que a emissora sempre negou
— Até então, quem sabia que a Globo era a favor da ditadura eram os analistas políticos, não era algo de domínio da rua.
Brito lembra também do movimento “Diretas Já”, que durou quase um ano e reuniu, no seu ápice, 1 milhão de pessoas no comício da Candelária, no Rio de Janeiro, e 1,5 milhão no Anhangabaú, em São Paulo.
— A Globo só cobriu três comícios, sentencia.
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Fernando Borges, jornalista recém formado na UERJ, cobriu as manifestações de 2013 para a plataforma internacional de notícias “Blasting News”.
Segundo ele, várias equipes de grandes emissoras de televisão (Band, SBT e Record) foram hostilizadas com o uso do bordão criado contra a Globo.
— A imprensa ficou estigmatizada, afirma Borges, que também viu gente gritando “a verdade é dura, a Rede Globo apoiou a ditadura”, frases que ele considera “bem ultrapassadas”.
Ultrapassadas ou não, os gritos de “O povo não é bobo, abaixo a Rede Globo” também foram ouvidos nas passeatas de protesto contra a morte do garoto Eduardo, de 10 anos, no Morro do Alemão, há menos de um mês.
E um novo grito parece estar surgindo nos estádios de futebol.
Revoltados com o pequeno número de jogos transmitidos pela Globo — que, segundo eles, privilegia o Corinthians –, torcedores do Santos levaram faixas de protesto à Vila Belmiro na semifinal do Campeonato Paulista, dia 18 último. Depois que o Santos fez 2 a 0 no São Paulo, passaram a gritar em coro o “chupa, Rede Globo, o nosso Santos vai ser campeão de novo”.
Com o Santos classificado para a final, torcedores do clube fazem campanha nas redes sociais para que a equipe entre em campo com o símbolo da TV Record no peito. Detalhe: os dois jogos serão transmitidos pela Globo. Seria a repetição do que aconteceu em 2001, na final contra o São Caetano, no Rio, quando Eurico Miranda, presidente do Vasco, colocou o logotipo do SBT nas camisas do clube para protestar contra a Globo.
Independentemente de o Santos atender ou não a seus torcedores, as finais contra o Palmeiras tem tudo para serem tão interessantes nas arquibancadas quanto no gramado.
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BRIOS

AO MENOS POR BRIO INTELECTUAL JÁ TEM-SE RAZÃO SUFICIENTE PARA SE BUSCAR O SABER

(Clique no link abaixo e assista)
https://www.facebook.com/IconoclastiaIncendiaria/videos/777690659005319/?fref=nf

Chomsky: "As empresas privadas vão fazer de tudo contra a democratização da mídia" - Carta Maior

22/04/2015 - Copyleft

Chomsky: "As empresas privadas vão fazer de tudo contra a democratização da mídia"

A liberdade de imprensa não se resume à liberdade das empresas privadas fazerem o que querem: é o direito das pessoas receberem informação de muitas fontes


Le Monde Diplomatique (tradução do Esquerda.net)

Esta é a segunda parte da entrevista com Chomsky, para ler a primeira, clique aqui
 
Ignacio Ramonet: Uma reflexão sobre política externa dos Estados Unidos e a sua rivalidade com a China. Pensa, como alguns analistas, que a China será o grande rival estratégico dos Estados Unidos no século XXI? E que consequências pode ter isto para a marcha do mundo em geral e para o destino dos Estados Unidos?
 
Noam Chomsky: A China desenvolve-se de uma maneira muito eficiente. Começou no ano de 1949, quando conquistou a independência. Há uma expressão para isso no discurso norte-americano, diz-se “a perda da China”, é muito interessante... “a perda da China”... Não se pode “perder” algo do qual não se é dono. Mas, nos Estados Unidos, damos por assente que somos os donos do mundo, e se algum país se afasta do nosso lado, “perdemo-lo”...
 
A China é hoje uma produtora offshore das fábricas norte-americanas. As principais empresas dos EUA produzem na China, importam da China. Ou seja: as nossas principais empresas importam bens baratos da China e obtêm ganhos extraordinários. Uma empresa norte-americana pode dispor de uma mão-de-obra reprimida, muito barata, onde o Estado controla muito diretamente os trabalhadores; não tem de se preocupar com a contaminação e outras coisas: é uma forma muito inteligente de ganhar dinheiro. Assim, há vínculos comerciais, financeiros e industriais muito fortes. Ao mesmo tempo, a China tem as ambições normais de uma superpotência. Por exemplo, a China, se prestar atenção ao mapa, está rodeada ao Leste por um cordão de protetorados dos Estados Unidos que controlam as suas águas territoriais. Isso a China não gosta. Os chineses querem expandir-se pelas suas próprias águas offshore. Surge assim um conflito potencial bastante grave entre a China, por um lado, e os EUA e o Japão pelo outro. E esse conflito diz respeito ao conjunto do Pacífico Ocidental. É uma região onde o Japão, durante a sua época imperial, tinha todas as suas forças. E continua a controlar uma boa parte. E a China não gosta disso. Neste momento, os caças japoneses e chineses passam continuamente sobre ilhas que não têm nenhum interesse. Nalgum momento isto pode desembocar numa guerra.
 
Não obstante, muito se falou da nova potência da China no século XXI. Acho que há um tremendo exagero. O crescimento da China foi forte durante muitos anos, mas continua a ser um país muito pobre. Se reparar, por exemplo, no índice de desenvolvimento humano da ONU, acho que a China está na posição noventa e não sai daí. Tem problemas internos importantes, o movimento laboral está a romper as cadeias, há muitas greves, protestos, problemas ecológicos tremendos, as pessoas falam de poluição, mas é muito pior: há destruição dos recursos agrícolas, que são limitados; está a passar por extraordinários problemas que os Estados Unidos e a Europa não têm, continuando a ter uma enorme pobreza. E não está a ponto de se transformar numa potência hegemónica.O mesmo sucede entre os EUA e China; a política externa de Obama para Ásia é mandar forças militares para a Austrália, e construir uma enorme base militar numa ilha próxima à China. Não diz que é uma base militar, mas é-o certamente. Os Estados Unidos têm, a poucos quilómetros da China, a base de Okinawa, cuja população se opõe redondamente à sua permanência. O Japão controla esse território, e os EUA querem manter as bases nessa zona. E novas bases estão a ser construídas e a expandir-se com a frontal objeção da população e da China, que olha tudo como uma ameaça. E tem razão. Ou seja: há um confronto potencial não somente com os EUA, como também com os países vizinhos, como as Filipinas, o Vietname e o Japão, é claro. É um problema de tensão. Da mesma forma há um problema económico, uma tremenda interação económica, de produção, de finanças, de importação, etc. De maneira que certamente vai continuar a ser um tema importantíssimo nos assuntos internacionais.
 
De maneira que a pressão dos EUA e do Japão sobre a China, a partir do Leste, está a empurrá-la para a Ásia Central, e um dos desenvolvimentos recentes mais importantes dos assuntos mundiais é o estabelecimento do que se chama a Organização de Cooperação de Xangai (OCS) que tem a China como base, mas que inclui a Rússia, os Estados centrais asiáticos, a Índia, e o Irão como observador. Está a deslocar-se também para a Turquia, e talvez vá continuar a expandir-se para a Europa, com o que seria reconstituído algo parecido com a velha “rota da seda”, que saía da China e ia para a Europa. Washington não gosta disso. Os Estados Unidos pediram para ser observadores no seio da OCS, mas foi recusado; o Irão e outros países têm esse estatuto de observador, mas aos Estados Unidos foi negado. Aliás, a OCS pediu a saída de todas as bases militares norte-americanas da Ásia Central. A Ásia tem grandes recursos; o confronto atual com a Rússia está a empurrar o Kremlin a ter relações mais próximas, mais estreitas com a China, sendo a China a potência dominante e a Rússia menos. Mas é como um desenvolvimento natural, por assim dizer. A parte oriental da Rússia tem grandes recursos, minerais, petróleo, etc. E isso poderia permitir aproximar ainda mais a China da Rússia. Pode-se ver uma espécie de sistema eurasiano ou eurásico, com melhores vínculos, mais estreitos. Por exemplo, hoje pode-se tomar um comboio de alta velocidade desde a China ao Cazaquistão, e no entanto não se pode tomar um comboio de alta velocidade de Boston para a Europa, mas sim de Pequim ao Cazaquistão. Faz parte do desenvolvimento que estamos a ver e é algo bastante forte; e alguns estrategas norte-americanos consideram-no uma NATO com base na China. Talvez o seja. Talvez. Em tal caso, há grandes avanços, e tem razão ao dizer que são ameaças potenciais nos assuntos internacionais, que poderiam se transformar em perigosos.
 
Gostaria agora de lhe fazer duas perguntas sobre a comunicação de massas. A primeira é uma grande preocupação que existe, no mundo do jornalismo, sobre a crise da imprensa escrita. Há uma enorme crise, muitos jornais estão a desaparecer, muitos jornalistas estão a perder o emprego. E a pergunta é: o jornalismo de papel vai continuar a existir? Que consequências pode ter o desaparecimento do jornalismo de papel?
 
Não acho que seja inevitável. Há algumas exceções interessantes. Por exemplo, no México. Acho que o La Jornada é atualmente o segundo jornal diário mais importante, que se lê muito amplamente, ainda que os empresários não gostem disso de forma alguma, e por isso não anunciam nele; se repararmos, não há publicidade de marcas, só publicidade do governo; porque a lei mexicana assim o exige, exige que o governo faça a sua publicidade oficial em todos os diários. Assim, o La Jornada sobrevive, e pode ver que muita gente o lê. O La Jornada é um jornal diário de boa qualidade e está a sobreviver. E acho que não se trata de uma coisa impossível.
 
Na Declaração dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), um dos artigos, acho que é o 19, fala da liberdade de imprensa. E diz que a liberdade da imprensa tem dois aspetos: o direito a gerar uma informação livre do controlo governamental, mas também o direito de receber informação e de ter a oportunidade de gerar informação livremente. O que significa sem concentração de capitais. A imprensa rica, complexa e independente, do século XIX e princípios do XX, sucumbiu. Sucumbiu por duas causas: a primeira, a concentração de capitais, que significava que se investia grandes quantidades de capital na imprensa comercial privada. E a segunda, a dependência da publicidade. Quando se depende da publicidade, são os anunciantes que começam a ter impacto no jornal. Se virmos um jornal moderno atual, é um negócio; e como qualquer outro negócio, tem de gerar um produto com o seu mercado, esse mercado são as outras empresas que fazem publicidade; e os produtos são os leitores. Mas os produtos não subsidiam um jornal. Hoje o jornal vende publicidade às empresas, tal como a televisão. Não se paga quando se liga a televisão, mas a empresa, que é o canal, vende o público aos seus anunciantes; e é aí que se vê um grande esforço, onde está a parte criativa: a publicidade. Na indústria da televisão, a publicidade é o verdadeiro conteúdo. A história é simplesmente um recheio, o que vemos entre dois espaços publicitários. Essa é a estrutura básica da televisão comercial. Na imprensa escrita há um termo: o buraco das notícias. Como se faz? Primeiro põe-se a publicidade, que é o importante; e depois recheia-se um pouquinho aqui e lá com umas notícias [risos]. Essa é a estrutura natural dos meios de comunicação comerciais. Este tema foi uma batalha durante séculos. E o que se viu na Argentina recentemente: será que a liberdade de imprensa é apenas a liberdade das empresas privadas fazerem o que lhes dá na gana? Ou a liberdade de imprensa também teria de compreender o que diz a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos Humanos, ou seja: o direito das pessoas receberem informação de muitas fontes, e de terem a oportunidade de se juntarem, de gerar e produzir informação a partir de muitas fontes?
 
Recentemente esteve em Londres para visitar Julian Assange, o fundador da WikiLeaks, na Embaixada do Equador – eu tinha estado com ele nuns dias dantes – e, por outro lado, Edward Snowden, com as suas revelações, também demonstrou a existência de todo o sistema de vigilância, desmascarando algumas ações dos Estados, o poder dos Estados em matéria de vigilância e de ocultação da informação. Ou seja, por um lado, a WikiLeaks, por outro lado, fontes como Snowden, que utilizam a Internet, as redes sociais, que nos ensinaram muito, ultimamente, em matéria de informação. Pensa que este tipo de jornalismo novo é algo que se vai desenvolver num futuro próximo em termos de comunicação e de emancipação intelectual, com a tomada de consciência dos cidadãos?
 
A sua pergunta sobre os meios de comunicação impressos situa-se nesse contexto. Poderia haver meios impressos e com muita vitalidade, mas têm de ter uma responsabilidade pública. E quando se fala de subsídios governamentais, se o governo é democrático, significa subsídios públicos; significa que é o público quem participa para garantir um meio no qual a informação esteja disponível em toda uma gama de fontes; e que muitos grupos diferentes tenham a oportunidade de apresentar os seus próprios factos, as suas próprias interpretações, as suas análises, as suas investigações, etc. Essa seria uma versão enriquecida da liberdade de imprensa. E pode ser conseguida mas, tal como as demais formas de democratização, é preciso mobilização pública. As empresas privadas vão fazer o impossível para impedi-lo. Está aí a Argentina para prová-lo. Mas acontece em todos os lados.
 
A resposta, como à maioria das perguntas, é que depende do que façam os cidadãos. Sem lugar a dúvidas, qualquer sistema de poder vai impedi-lo tanto quanto puder, dentro das suas possibilidades. Assange está refugiado na Embaixada do Equador em Londres, e a Grã-Bretanha está a pagar muitíssimo para que não escape pela porta. Como sabem, Assange está em piores condições que as da prisão, porque na prisão pode-se ver a luz do dia, a não ser que esteja na solitária; mas ele não pode. Snowden está na Rússia, sabe o que ocorreu com o voo de Evo Morais, o presidente da Bolívia que voava de Moscovo para a Bolívia, e os países europeus – França, Espanha, e outros – intercetaram-no por ordem do Grande Amo em Washington... Uma coisa incrível! Finalmente, o avião teve de aterrar na Áustria. A polícia imediatamente entrou no avião para certificar-se de que Snowden não estava escondido na cabine. Estas são, diretamente, violações de protocolos diplomáticos, que mostram duas coisas; primeiro, a dedicação extrema do governo de Obama a castigar Assange, e depois, em segundo lugar, quão servil é a Europa ao Grande Amo norte-americano. Um fenómeno muito interessante.
 
Obama vai além, castigou mais whistleblowers do que qualquer outro presidente. Há uma lei nos EUA, a lei de espionagem durante a Primeira Guerra Mundial. Obama usou-a para evitar este tipo de revelações à sociedade, como fizeram Assange e Snowden. O governo vai impor o indizível para proteger-se do seu “inimigo principal”. E o “inimigo principal” de qualquer governo é a sua própria população. Há muitas provas disto que, aqui [na Argentina], se podem entender. Da mesma maneira que as grandes empresas privadas vão proteger o seu controlo tirânico sobre qualquer aspeto da vida dentro do possível; para estes whistleblowers, a luta por uma informação livre e transparente é uma coisa quase natural. Terão sucesso? Bom, é como saber se a ditadura argentina poderia voltar a tomar o poder. Isso depende das pessoas. Se Snowden, Assange e outros fazem o que fazem, fazem-no na sua qualidade de cidadãos. Estão a ajudar o público a descobrir o que fazem os seus próprios governos. Acaso existe uma tarefa mais nobre para um cidadão livre? E Obama castiga-os severamente. Agora, se isto vai continuar ou não, vai depender de como respondam os cidadãos.




Créditos da foto: Syracuse Peace Council / Flickr




Chomsky: "As empresas privadas vão fazer de tudo contra a democratização da mídia" - Carta Maior

Democracia & Política: "OPERAÇÃO ZELOTES" CAMINHA COM DIFICULDADE

quinta-feira, 23 de abril de 2015

"OPERAÇÃO ZELOTES" CAMINHA COM DIFICULDADE





Operação Zelotes caminha com dificuldade

Por Fabio Serapião, na revista CartaCapital:

"A dimensão da 'Zelotes' estarrece: o valor investigado soma o dobro daquele até o momento apurado na Operação Lava Jato. E, mais ainda, fere a consciência dos cidadãos honestos a constatação de como a corrupção faz parte do estilo de vida dos poderosos do Brasil. Está sobretudo nesse poder a dificuldade de uma investigação profunda e independente. Ao comparar "Zelotes" com "Lava Jato", em primeiro lugar, na análise dos comportamentos das autoridades judiciárias atuantes nos procedimentos, verifica-se de imediato a inexorável discrepância política entre graúdos sonegadores e funcionários [taxados de] "petistas" destinatários do propinoduto da Petrobras.

Última instância à qual o contribuinte brasileiro pode recorrer para reverter dívidas com a Receita Federal, o CARF acumula, atualmente, cerca de 105 mil processos cujo valor ultrapassa 520 bilhões de reais. Até então esquecido dentro da estrutura do Ministério da Fazenda, o órgão ganhou o noticiário após a Polícia Federal desarticular um esquema responsável por negociar votos de seus conselheiros e fraudar votações que causaram prejuízo estimado em 6 bilhões de reais. São 74 processos investigados no valor de 19 bilhões de reais em dívidas de bancos, montadoras de automóveis, siderúrgicas e inúmeros grandes devedores que apostavam na corrupção de agentes públicos para burlar o pagamento de impostos. Na opinião dos investigadores da PF, trata-se da maior fraude tributária descoberta no Brasil.

Com números tão expressivos e nomes acostumados a frequentar as mais badaladas listas de grandes empresas, a "Operação Zelotes" acumula muitos dos requisitos necessários a uma investigação de futuro incerto. Ciente desse cenário nada favorável, a PF, desde o recebimento da denúncia anônima que deu origem ao inquérito, toma todos os cuidados para evitar um desfecho sem punições. Para desviar do caminho de operações como a "Castelo de Areia", aniquilada pelo fato de ter começado com uma denúncia não identificada, os investigadores realizaram uma série de diligências preliminares que resultaram em um acervo probatório capaz de tirar o sono de grandes empresários cujas dívidas fiscais foram abatidas pelo CARF entre 2005 e 2015.

Os recursos de dívidas tributárias funcionam da seguinte maneira. O processo administrativo fiscal, o PAF, começa com o auto de infração pela delegacia da Receita de cada estado. Caso o contribuinte reclame, o procedimento segue para a Delegacia da Receita Federal de Julgamento, a DRJ, considerada a primeira instância. Posteriormente, os recursos seguem para o CARF, onde passam primeiro pelas turmas ordinárias e especiais e, caso prossiga o impasse, são decididos no pleno da Câmara Superior de Recursos Fiscais. O órgão é composto de 216 conselheiros, dos quais 108 indicados pela RF e 108 pelos contribuintes. Eles não recebem remuneração e, na prática, as indicações são todas políticas. 

O que vimos e foi demonstrado é que muitos conselheiros agem em benefício de causa própria, utilizando o órgão como um meio de obter acesso fácil a clientes e causas importantes, utilizando-se das facilidades de acesso a sistemas e outros servidores e conselheiros, tudo em prol do seu interesse particular de enriquecimento em detrimento dos cofres da União, fazendo do CARF um lucrativo balcão de negócios”, descreveu o delegado federal Marlon Oliveira Cajado dos Santos no pedido de busca e apreensão contra os integrantes da organização criminosa.

Foi ao solicitar as prisões, em janeiro deste ano, que os investigadores tiveram certeza das dificuldades a serem enfrentadas. O juiz Ricardo Leite, da 10ª Vara Criminal de Brasília, única especializada em lavagem de dinheiro na capital, negou todos os pedidos de prisão contra integrantes do esquema. Mas antes, ainda em 2014, os investigadores perceberam que algo estranho ocorria. Após as diligências preliminares confirmarem a denúncia anônima, a PF solicitou a quebra de sigilo fiscal das empresas e pessoas apontadas como integrantes do esquema. Os arquivos com as informações bancárias revelaram aproximadamente 163 mil transações financeiras entre as empresas e pessoas investigadas. A soma alcançou a cifra de 1,3 bilhão de reais. Com esses números, ficou evidente para os delegados a necessidade de interceptações telefônicas a fim de descobrir qual era o modus operandi do grupo e quem eram seus clientes finais. Nesse primeiro momento, estavam na mira dos federais dois núcleos de empresas de fachada intermediadoras do pagamento de propina.

O primeiro deles era comandado pelo ex-conselheiro José Ricardo da Silva. Filho do também ex-conselheiro Eivany Antonio da Silva, investigado no passado em esquemas de fraudes tributárias parecidas com os que são alvos da "Zelotes". Silva, diz a PF, “esteve envolvido em associação criminosa com João Batista Grucinki, o ex-conselheiro Edison Pereira Rodrigues, Adriana Oliveira e o conselheiro Paulo Roberto Cortez”. Para os investigadores, as interceptações telefônicas e telemáticas comprovaram que José Ricardo da Silva, quando conselheiro, foi corrompido para atuar em processos da "Gerdau" de 1,2 bilhão de reais. Embora tenha atuado diretamente em votações, a PF descobriu que Silva, após deixar o CARF, passou a utilizar ao menos oito empresas de fachada para receber vultosas quantias de partes integrantes de processos na Receita Federal.

Por conta da extensa quantidade de informações colhidas com a quebra do sigilo das empresas de Silva, a PF conseguiu, na primeira fase da "Zelotes", apenas mapear e analisar as transações da "SGR Consultoria Empresarial". Entre 2005 e 2013, a empresa movimentou cerca de 115 milhões de reais. Ao mapear as 909 transações financeiras, a PF descobriu que a origem dos valores são empresas com processos pendentes no CARF. Com 11,9 milhões em depósitos, a "RBS", afiliada da "Globo" no Rio Grande do Sul, lidera o ranking de empresas que mais depositaram nas contas da "SGR". Diz a PF sobre a relação das duas empresas. “A empresa 'RBS' foi citada como tendo sido beneficiada com a venda de decisão favorável pelo esquema do CARF. Em que pese ainda não tenhamos prova cabal da corrupção, o fato de José Ricardo se declarar impedido no julgamento somado com as transferências de dinheiro para as contas da 'SGR' acaba dando provas de que ele defendia o interesse privado da RBS.” A empresa discutia uma dívida de 672 milhões de reais no órgão.

Três bancos também foram responsáveis por depósitos nas contas da "SGR". O "Brascan" depositou 2,7 milhões de reais em 22 de setembro de 2011. O banco possui ao menos três processos no CARF. Em um deles, Silva participou de um dos julgamentos mesmo com sua empresa mantendo vínculo com o "Brascan". Envolvido em um escândalo mundial de lavagem de dinheiro, o "HSBC"figura na lista como depositário de 1,5 milhão de reais efetuado em 2005. Dois processos em desfavor do banco foram encontrados no CARF. O julgamento dos recursos, segundo a PF, coincide com os depósitos. O terceiro banco que manteve relações com a "SGR" foi o "Opportunity". Por meio de sua gestora de recursos, segundo a PF, o banco de Daniel Dantes depositou, em 2009, 177 mil reais nas contas da empresa. Foram encontrados 18 processos no CARF relacionados ao grupo alvo da "Operação Satiagraha".

Outras empresas que depositaram nas contas da SGR são: a "Marcondes e Mautoni Emprrendimentos", com 4,7 milhões, "Via Engenharia" (1,8 milhão), "GRV Solutions" (1,1 milhão), "Tov Corretora" (566 mil), "Suzano Celulose" (469 mil), "Votorantim" (469 mil), "Werebe Associados' (422 mil), "Incobrasa" (405 mil), "Electrolux" (387 mil), "Qualy Marcas" (305 mil), "Caenge SA" (300 mil), "Avipal" (292 mil), "Merck SA" (257 mil), "Hotéis Royal Palm" (217 mil), "Gestão Planejamento" (128 mil), "Vinicio Kalid Advocacia" (222 mil) e "Lemos Associados" (117 mil). Por sua vez, a PF registrou um depósito de 12 mil reais da empresa de Silva para Silas Rondeau. Ex-ministro das Minas e Energia, entre 2005 e 2007, Rondeau ocupou cadeiras nos conselhos da Eletrobras, Petrobras e Eletronorte.

Embora inicialmente Silva fosse o alvo principal, com o andamento da investigação um segundo grupo foi descoberto. O núcleo era formado por Jorge Victor Rodrigues, tendo como parceiros o assessor de Otacilio Cartaxo, atual presidente do CARF, Lutero Nascimento, o genro de Cartaxo, Leonardo Manzan, o chefe da delegacia da Receita em São Paulo, Eduardo Cerqueira Leite, e o ex-auditor do Tesouro Jeferson Salazar. Sócio da "SBS Consultoria Empresarial", o conselheiro Jorge Victor foi flagrado nos grampos telefônicos ao negociar o pagamento de propina em vários casos envolvendo recursos bilionários no CARF. Em um deles, uma dívida 3,3 bilhões de reais do "Banco Santander", o conselheiro aparece em conversas com Lutero Nascimento, assessor de Cartaxo, nas quais eles tratam os detalhes do plano para cooptar o conselheiro Jorge Celso Freire da Silva.

Entre setembro e outubro de 2014, as conversas entre os dois, segundo a PF, demonstram que o plano teve êxito e contou com a participação de Manzan, genro de Cartaxo. De acordo com o levantamento feito pelos investigadores, o processo em questão era relativo à compra do "Banespa" pelo banco espanhol e a comissão para o grupo conseguir barrar a cobrança ficaria entre 1% e 1,5% do valor da dívida abatida. Diz o relatório da investigação sobre o caso Santander: “Entendemos restar demonstrado que o grupo corrompeu o Presidente da Turma Jorge Celso Freire da Silva para fazer o exame de admissibilidade e colocar em pauta, tendo este cobrado 500 mil reais”.

Enquanto acompanhavam o desenrolar das negociações envolvendo o "Santander", os agentes federais perceberam que Jorge Victor também atuava em outros casos milionários. Em um deles, sobre um processo do "Banco Safra" de 767 milhões de reais, foi possível detalhar a ação do grupo e a participação de João Inácio Puga, integrante do Conselho de Administração do banco. Para esse caso, diz a PF, foi acordado um pagamento de 28 milhões de reais para o grupo de Jorge Victor “a fim de que fossem distribuídos entre o pessoal de São Paulo, Jorge Victor e conselheiros para a agilização dos processos dentro do CARF”. Outros 2,5 milhões de reais foram solicitados em forma de adiantamento a “pretexto de localizar e cooptar a pessoa certa para a manipulação”. Com o objetivo de comprovar as negociações, a Polícia Federal acompanhou o encontro agendado por telefone entre Puga e os integrantes do esquema. No dia 25 de agosto de 2014, os agentes fotografaram desde o encontro dos envolvidos no aeroporto, a reunião em um restaurante na capital paulista e o retorno de Puga para a sede do "Safra" na Avenida Paulista.

Foi a ação do grupo de Jorge Victor em um processo do "Banco Bradesco" o responsável por acender o alerta vermelho, em 2014, dentro da PF. Após as diligências preliminares e quebras de sigilo, o juiz Ricardo Leite autorizou que as interceptações telefônicas começassem em 28 de julho de 2014. A partir desse momento, as suspeitas, uma a uma, foram confirmadas pelas conversas entre membros do grupo criminoso, conselheiros e representantes das empresas beneficiadas. Tudo ia bem, até que no início de setembro os grampos mostraram os preparativos para uma reunião entre integrantes do grupo criminoso e a cúpula do "Bradesco".

Em conversas realizadas entre setembro e outubro, o conselheiro Jorge Victor fala ao ex-auditor do Tesouro Jeferson Salazar e ao chefe da Delegacia Especial da Receita em São Paulo, Eduardo Cerqueira Leite, dos detalhes do encontro. Diz o relatório da PF: “As ligações corroboram não só o encontro, mas também as tratativas para o julgamento. Salazar chega a dizer que Eduardo foi bem em suas colocações na reunião com o BRA(Bradesco). Estavam todos, os vices e o presidente. O Trabu (Trabuco) esteve presente, cumprimentou a todos e saiu”. A PF chegou a mobilizar uma equipe para acompanhar o encontro, mas não teve êxito em registrar com fotos, porque os policiais foram convidados a se retirar do prédio da presidência do banco, em Osasco.

A partir desse primeiro encontro, em outubro, os investigadores acompanharam várias conversas entre os integrantes do núcleo de Jorge Victor sobre as negociações com o "Bradesco". As expectativas do grupo melhoraram em 12 de novembro, quando o CARF negou por unanimidade um recurso do banco. Com a negativa, os integrantes do grupo debateram nas conversas interceptadas ser momento de tentar fechar um contrato para intermediar, como aponta a PF, “a reversão do resultado do processo na Câmara Superior”. Seria prometido achar “o paradigma para o recurso especial e alguém para apreciar e aceitar” a argumentação. Um dia após a votação, em 13 de novembro, a negociação com a cúpula do "Bradesco" fica explícita em um grampo. Em conversa grampeada com Eduardo Leite, o empresário Mário Pagnozzi, apontado pela PF como responsável por captar clientes para o esquema, comenta que o próprio Luiz Carlos Trabuco, presidente do "Bradesco", conversou com ele e afirmou: “Mário, fico feliz de você estar aqui, ajudando o banco”.

Com essas informações, os investigadores se animaram e aguardavam o desenrolar das negociações para provar a corrupção envolvendo o "Bradesco" e o grupo. Entretanto, sete dias após a conversa interceptada citar a fala de Trabuco a Pagnozzi, em 20 de novembro, o juiz Ricardo Leite mandou cessar as interceptações telefônicas e impediu a PF de confirmar se o banco aceitara a proposta. A decisão irritou os investigadores e confirmou as desconfianças sobre a dificuldade em investigar os desmandos dentro do CARF. Nos bastidores, os agentes federais fazem questão de lembrar que o ministro da Fazenda Joaquim Levy, também ex-funcionário do banco, logo que assumiu nomeou como vice-presidente do CARF a advogada do "Bradesco" Maria Teresa Martinez Lopes.

Questionado, o banco esclareceu que “possui estrutura própria suportada por renomados escritórios contratados para atuar em sua defesa no âmbito judicial e administrativo, os quais são os únicos autorizados a representar em nosso nome nos processos”. Sobre a reunião com integrantes do grupo investigado pela PF, o banco informou que ela foi solicitada por eles e contou com a participação dos executivos Domingos Abreu e Luiz Carlos Angelotti. “Não procede a informação de que o presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco Cappi, tenha participado.” Sobre a nomeação da advogada Maria Lopes para a vice-presidência do CARF, o banco diz que ela faz parte do conselho do órgão há 15 anos.

Por meio de nota, a "Gerdau" informou não ter sido procurada até o momento e que todos os processos referentes à empresa ainda estão em trâmite no CARF. “Com relação a esses processos, nenhuma importância foi paga, a qualquer título, a qualquer pessoa física ou jurídica por conta de sua atuação em nome da 'Gerdau'.” A "RBS", por meio de nota, afirmou ter “a convicção de que, no curso das investigações, ficará demonstrada a correção dos procedimentos da empresa. Tão logo seja contatada pelas autoridades competentes, o que ainda não ocorreu, a empresa terá a oportunidade de colaborar para a plena elucidação dos fatos”.

O "Santander" informou que “a defesa da empresa é sempre apresentada de forma ética e em respeito à legislação aplicável e que o banco está à disposição dos órgãos competentes para colaborar com qualquer esclarecimento que seja necessário”. A "Electrolux" afirmou que até o presente momento não foi notificada por qualquer autoridade e defendeu que “seus negócios são guiados por um código de ética e compliance independente”. O "HSBC" também disse não ter sido comunicado pelos órgãos responsáveis pela investigação e negou qualquer pagamento com “vistas a influenciar a atuação de agentes públicos”.

Enquanto os documentos amealhados nas buscas e as transações financeiras das outras empresas ligadas aos integrantes do esquema são analisados, nos bastidores da "Zelotes" o clima é de apreensão. Com o retrospecto negativo na relação com o juiz Ricardo Leite, os investigadores duvidam que novas diligências e quebras de sigilo sejam autorizadas. Cientes do poder financeiro e político dos envolvidos, a frase mais repetida entre as autoridades é: “Precisamos de um Sergio Moro em Brasília”.

FONTE: escrito por Fabio Serapião, na revista CartaCapital. Transcrito no "Blog do Miro" (http://altamiroborges.blogspot.com.br/2015/04/operacao-zelotes-caminha-com-dificuldade.html).


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