Total de visualizações de página

quarta-feira, 1 de abril de 2015

Diário do Centro do Mundo » A Standard & Poor destruiu o discurso apocalítico da mídia ao trazer ao debate uma coisa: a verdade. Por Paulo Nogueira

A Standard & Poor destruiu o discurso apocalítico da mídia ao trazer ao debate uma coisa: a verdade. Por Paulo Nogueira




Postado em 26 mar 2015
Se você acreditou na Empiricus e se encheu de dólar, más notícias
Se você acreditou na Empiricus e se encheu de dólar, más notícias
Não há muito tempo, o Brasil parecia em estado terminal, no noticiário das grandes empresas jornalísticas.
Com evidente alegria, os editores e comentaristas empilhavam previsões apocalípticas.
O G1 – cujo chefe, Erick Bretas, conclamou os seguidores no Facebook a bater pernas no protesto de 15 de março – lutava para dar o furo do fim do mundo, ou especificamente do Brasil.
Na manchete, várias vezes, você tinha no G1, em tempo real, a marcha do dólar.
A consultoria de investimentos Empiricus contribuía para a atmosfera fúnebre. Anúncios seus espalhados pela internet traziam um título assustador: “O dólar a 4”.
Dentro desse clima, lances teatrais espoucavam aqui e ali. Num deles, um colunista econômico avisou que estava deixando o Brasil. Miami o chamava.
Era um Bolsa Patroa. Sua mulher ganhara uma bolsa e ele pegou carona. Mas, para todos os efeitos, o bilhete aéreo do colunista sugeria o começo de um êxodo dos melhores cérebros nacionais.
Alguns imaginaram: agora até o Lobão vai embora.
Para os que torcem pelo pior, como a mídia, tudo corria bem – até que uma coisa se impôs.
A verdade.
Ela apareceu numa análise que nenhum jornalista da grande mídia tem competência ou coragem para contestar.
Quem a produziu foi a agência de análise de risco S&P. Os colunistas brasileiros podem errar quanto quiserem, desde que seja contra o PT. Não acontece nada.
Mas cabeças rolam na S&P caso as previsões sejam erradas, porque há muito dinheiro em jogo. Se os investidores colocarem recursos em países ou empresas que tenham a chancela de uma agência e se derem mal, as consequências imediatamente se manifestam.
E a S&P disse o seguinte sobre 2015, em linhas básicas: a economia do Brasil deve recuar 1%, para crescer 2% em 2016.
O dólar médio deve ficar em 3,1 reais. (O que quer dizer que quem acreditou na Empiricus e se abarrotou de dólares pode já pensar na hipótese de processá-la.)
Para chancelar essa visão, a S&P manteve a classificação do Brasil como um bom lugar para investir.
Para quem acompanha – e acredita – nas colunas econômicas da imprensa, foi uma surpresa formidável.
Como assim? Quero bater panelas.
A Petrobras, que a mídia transformou num cadáver, recebeu um voto de confiança expressivo da agência. Manteve sua boa classificação.
Como assim? Quero gritar que o patrimônio nacional foi dilapidado e ir para as ruas com a roupa da seleção.
Todo o drama que a mídia anunciava foi pulverizado com uma simples análise de quem é do ramo.
O quadro é aquele para o ano. Uma queda de 1% na economia não deve ser comemorada com champanha, naturalmente, mas está longe de ser um desastre.
Se administrada de tal forma que os mais humildes sejam poupados, sai na urina, como dizia minha Tia Zete.
Sem se dar conta, a S&P tirou a voz dos profetas do apocalipse. Caso insista em dar o dólar em tempo real na primeira página, o G1 vai ficar até dezembro girando pateticamente em torno de 3,1 reais.
Os comentaristas se recolheram, prudentemente.
Sobraram no palco os tolos, como o senador Aécio Aeroporto Neves. Aécio disse que Dilma deve desculpas por tirar perspectiva de futuro melhor para os brasileiros.
Ora, sabemos todos como seriam as “medidas impopulares” que Aécio prometeu à plutocracia que adotaria caso se elegesse.
Sabemos também quem mereceria sua atenção como presidente – ela mesma, a plutocracia que tanto lutou para levá-lo ao Planalto.
Tudo isso posto, quem acredita que os brasileiros se dariam melhor com Aécio acredita em tudo, como disse Wellington.
A S&P reduziu ao silêncio o tom dos gerentes gerais da catástrofe alojados na mídia.
Falta Aécio cair na real.
(


Diário do Centro do Mundo » A Standard & Poor destruiu o discurso apocalítico da mídia ao trazer ao debate uma coisa: a verdade. Por Paulo Nogueira

Ação e Reação na crise da telenovela "Babilônia" ~ Cinema Secreto: Cinegnose

Ação e Reação na crise da telenovela "Babilônia"



O que há em comum entre a física newtoniana e os estudos sobre psicopatologia do psicanalista Wilhelm Reich? Tudo, pelo menos no caso da atual crise de audiência da novela da TV Globo “Babilônia”. A rejeição de telespectadores e grupos evangélicos pregando o boicote à telenovela nas redes sociais (tudo motivado pelo beijo de um casal de idosas lésbicas) tem uma relação direta com a pesada atmosfera política atual alimentada diariamente pela TV Globo através do telejornalismo e teledramaturgia. Lei newtoniana de ação e reação: clima de intolerância e radicalismo político converte-se em conservadorismo moral, sexual e de caráter que atinge em cheio o principal produto da grade da TV Globo – a novela do horário nobre. Além disso, a crise de “Babilônia” guarda paralelos com outra crise global: a da novela “O Dono do Mundo” de 1991, também de Gilberto Braga, em um contexto pré-impeachment de Fenando Collor de Mello.

Toda ação resulta numa reação oposta e de igual intensidade. Não há como deixar de lembrar desse princípio clássico da física newtoniana na atual crise que envolve a novela do horário nobre da TV Globo chamada Babilônia. Depois dos 46 pontos que a novela anterior Império marcou na sua última semana, Babilônia despencou para 23 pontos. Portanto, abaixo da novela das 19h e do reality Big Brother Brasil. Isso, no horário mais caro da TV brasileira.

A novela de Gilberto Braga surge nas telas num momento onde se acirra a contradição vivida pela TV Globo: de um lado, nos últimos anos vem assumindo o papel de partido de ferrenha oposição política ao Governo Federal; e do outro, a necessidade comercial de reerguer a audiência em queda com a crescente concorrência da Internet e os novos dispositivos móveis de comunicação.



Apesar da queda vertical da audiência, a Globo vem mantendo o crescimento da receita publicitária graças ao conhecido BV – “Bonificação por Volume”, propina legalizada onde a Globo adianta para as agências as verbas que elas planejam gastar no ano. Isso garante a fidelidade das agências em colocar dinheiro na TV Globo.
Silvio Santos: "eu também vejo Netflix"

Mas a Globo sabe que essa estratégia que aplica há décadas está com seus dias contados, como sinalizam diversos acontecimentos: o crescimento de uma mídia disruptora como é a Internet; a declaração de Sílvio Santos de que ele próprio assiste ao Netflix; o fantasma da regulamentação da Lei dos Meios; a entrada do instituto de pesquisa alemão GfK que vai medir a audiência quebrando o monopólio do Ibope; e a recente vitória do SBT na Justiça de sentença de 2003 que obriga o Ibope a revelar a sua “caixa preta” – dados confidenciais da sua metodologia de aferição da audiência.

Paralelo a essas ameaças à sobrevivência comercial, ao mesmo tempo se vê compelida a criar em seus telejornais e até em minisséries como Felizes para Sempre e Questão de Família (peças ficcionais que fizeram apologia à judicialização e achincalhamento niilista da Política – sobre isso clique aqui)  um clima de guerra e intolerância política contra Governo, PT, bolivarianos, comunistas, Venezuela, o fantasma do Chavismo e contra qualquer um que tente relativizar a atual onda neoconservadora – o golpismo na política com os desejos incontidos pelo Golpe Militar, intervenção de mariners dos EUA no Brasil ou uma espécie de “golpe paraguaio” por meio da possibilidade do Impeachment.

Ação e Reação


Pois essa intervenção política da TV Globo ignora aquele princípio da física clássica newtoniana: tudo volta com igual intensidade – ou num viés mais espírita “aqui se faz, aqui se paga”.

Depois do jornalista César Tralli incitar estudantes ao ataque no SPTV (“temos que infernizar o MEC”) no caso do FIES e a programação esportiva da emissora no domingo das manifestações Anti-Dima se transformar praticamente numa convocação para os telespectadores saírem às ruas em protesto, vem a volta: o clima de intolerância e acirramento político transforma-se em conservadorismo moral que atinge em cheio o principal produto da grade da TV Globo – a novela do horário nobre.

Redes Sociais: rejeição e fundamentalismo justificados pelo clima de intolerância política

Como apontou em diversas oportunidades o psicanalista Wilhelm Reich em livros como Psicologia de Massas do FascismoEscuta Zé Ninguém! ou Psicopatologia e Sociologia da Vida Sexual, o conservadorismo político tem uma relação direta e proporcional com a rigidez moral, sexual e de caráter.

No atual atmosfera politicamente pesada que a grande mídia diligentemente vem sustentando, o neoconservadorismo político (“conservador” porque golpista) facilmente se converte em conservadorismo psicossexual – o nostálgico assanhamento de muitos pela volta dos militares corresponde ao recrudescimento da moralidade e a intolerância sobre quaisquer formas de prazer sexual.

O beijo de um casal de idosas lésbicas protagonizado por Fernanda Montenegro (Tereza) e Nathália Timberg (Estela)  fez as redes sociais serem tomadas por mensagens de grupos evangélicos organizando um boicote à novela. “Não tenho dúvida que a Rede Globo é a maior patrocinadora da imoralidade e do homossexualismo no Brasil”, bradou o pastor Silas Malafaia com milhares de “likes” e compartilhamentos no Facebook.

O que mais se vê nas redes sociais são mensagens como “A Globo nos quer fazer engolir esta ditadura gay” – com algumas variantes impublicáveis. Para a cabeça neoconservadora, “ditadura gay” ou “ditadura comunista” são equivalentes, assim como para os norte-americanos na década de 1930, a invasão de marcianos ou de nazistas eram sinônimos: o que levou Nova York ao pânico com a transmissão de rádio do “Guerra dos Mundos” em 1938.

                 Fernanda Montenegro e Nathália Timberg nas entrevistas apontam para “caça às bruxas” – ironicamente para Timberg que, acompanhado de outros atores de uma novela anterior, apareceu vestida de preto e cara de luto consternada em uma foto nas redes sociais protestando contra o ministro Celso Melo que assegurou a alguns réus no processo do Mensalão a oportunidade de apelação.

                Ironicamente, o pequeno gesto da atriz que ajudou a tornar mais densa a atmosfera política, volta-se contra ela mesma na intolerância moral de telespectadores.

Nathália Timberg protestando contra as apelações do Mensalão: ação e reação

Coincidências com o caso “O Dono do Mundo”


                  Tudo parece ser irônico no caso da crise de audiência da novela Babilônia. Principalmente o fato que, mais uma vez, a reprise de Carrossel do SBT assombra o horário nobre global – Carrossel saltou em 31% nos números de audiência.

                  Isso lembra uma outra crise de outra novela de Gilberto Braga: O Dono do Mundo de 1991-2. Coincidentemente, a novela foi ao ar em um período pré-impeachment do presidente Fernando Collor de Mello, assim como no momento atual apela-se por um impeachment contra a atual presidenta.

Novela "O Dono do Mundo" (1991-92)
               Na oportunidade, a questão foi a perda da virgindade da heroína da trama (Márcia, interpretada por Malu Mader) para o vilão da história logo nos primeiros capítulos – Felipe Barreto, vivido por Antônio Fagundes. Braga esperava um apoio do público para uma futura vingança da protagonista, o que não aconteceu. Os telespectadores ficaram escandalizados pela prazerosa entrega da virgindade de Márcia e ficou perdido sem saber, afinal, quem era mocinho ou bandido na trama.

                Naquela oportunidade a novela caiu de 42% para 38% - sinal dos tempos, comparado com a crise atual de Babilônia.

               “Pobres não querem perder a virgindade”, concluiu o colunista de TV do jornal Folha de São Paulo naquele momento. Assim como tenta-se fazer na atual novela Babilônia tornando o logo menos pesado (ao invés do fundo de concreto, agora o nome da novela está sobre um nascer do sol estilizado e abertura mais clara com nova animação), O Dono do Mundo também foi “relançada” com cenários com atmosferas menos lúgubres e o colorido mais em tons pastéis para dar uma atmosfera mais leve e otimista.

                De ninfomaníaca fria e vulgar, Márcia tornou-se na trama uma menina frágil e com marido assexuado que, por isso, não resistiu a uma forte sedução. Márcia foi sadicamente punida na trama por maldades comparáveis às novelas da Janete Clair nos anos 1970.

               E novamente Carrossel apareceu naquela oportunidade como um fantasma que roubava a audiência: supostamente os telespectadores estavam preferindo o mundo “puro e ingênuo” da professorinha Helena e de seus alunos Cirilo, Maria Joaquina e Jaime ao mundo de mulheres que entregam a virgindade por volúpia como na novela O Dono do Mundo.

              O fato é que ao longo da história da teledramaturgia muitos tabus ligados à sexualidade e moral foram desafiados e quebrados – as ardentes cenas com Maitê Proença em Dona Beija (1986) da extinta Rede Manchete ou o primeiro beijo gay no final da novela Amor à Vida (2013-14).

              Mas, em momentos de pesado clima político e escalada do neoconservadorismo por obra da própria Rede Globo, o extrato mais conservador da sociedade se sentirá estimulado e justificado a protestar violentamente contra uma trama que combina personagens lésbicas, sexo e prostituição.

              Ironicamente a Globo arrisca-se a ter o mesmo destino do intrépido cantor Lobão: depois que tocou fogo e viu o tamanho do incêndio, tentou dizer que não era bem assim (sem milicos ou intervenções dos EUA). A TV Globo começa a sentir as primeiras chamuscadas do incêndio que ela criou.

              Por isso a TV Globo parece criar a pior conjuntura possível: compelida a ser partido de oposição tem ao mesmo tempo, de um lado, as tecnologias de convergência roubando nacos da audiência; e do outro, o recrudescimento do conservadorismo moral que se volta contra ela mesma.

Ação e Reação na crise da telenovela "Babilônia" ~ Cinema Secreto: Cinegnose

Quando o governo faz a diferença - Carta Maior

24/03/2015 00:00 - Copyleft

Quando o governo faz a diferença

Ele sabia que nenhum país sai de uma crise sem um protagonista social que o conduza. Há muito o que aprender com Franklin Roosevelt.

por: Saul Leblon 


reprodução
A expressão ‘vontade política’ ficou conhecida no passado como um cacoete petista. Uma espécie de ‘melhoral de voluntarismo’ para todos os males do país.
 
Há limites, claro.
 
Os homens constroem a sua história, mas se negligenciarem as circunstâncias serão atropelados por elas.
 
Diante de uma transição de ciclo econômico da gravidade da atual não basta vontade.
 
Se não houver força organizada e propostas críveis à equação das forças e interesses em litígio, o risco de morrer na pista é grande.
 
Exageros à parte, a verdade porém é que sem iniciativa política tampouco se sobrevive.
 
A própria organização que ela catalisaria é abortada na forma de prostração e perda de autoconfiança.
 
Pode ser fatal.
 
Um governo, uma nação inteira, torna-se assim refém das mandíbulas dos mercados, cuja supremacia e capacidade de coerção só podem ser afrontadas pela ação da cidadania armada de discernimento crítico e liderança desassombrada.
 
Não é uma tertúlia acadêmica.
 
A ausência dessa determinação configura-se hoje como um problema tão ou mais grave do que todos os desafios econômicos enfrentados pelo Brasil.
 
Cada crise tem a sua especificidade, mas há um exemplo clássico de desassombro político, armado de forte ativismo estatal – a contrapelo de todas as advertências do bom senso dominante -- que contribuiu decisivamente para evitar a caminhada de uma nação rumo ao abismo.
 
Ao emitir um sinal firme de rumo e autoridade devolveu a autoconfiança à sociedade, organizou seus trabalhadores e trouxe de volta o impulso ao investimento.
 
Tudo isso no bojo de uma crise global de gravidade idêntica à atual, ou pior
 
Foi num mês de março como agora, nos EUA, há oitenta e dois anos.
 
Franklin Roosevelt, o presidente americano frequentemente evocado quando se trata de buscar um paradigma à altura dos desafios históricos de uma nação, tomara posse no dia 3 de março de 1933.
 
Era uma sexta-feira .
 
No domingo, dia 5, emitiria uma nota convocando o Congresso dos EUA para sessão extraordinária que deveria ocorrer na quinta-feira, dia 9.
 
Trabalharia exaustivamente no fim de semana.
 
A uma da madrugada, já na segunda-feira, dia 6, o presidente democrata socorreu-se de uma lei da Primeira Guerra Mundial que confere poderes adicionais ao chefe de Estado norte-americano tanto na esfera monetária quanto cambial.
 
Decretou um feriado bancário de quatro dias, assegurando-se de que não haveria corrida às agências até a sessão legislativa.
 
As precauções eram justificáveis.
 
A insegurança, a especulação e o desemprego faiscavam por todo o país. O medo do futuro sentava-se à mesa de milhões de lares mesmo sem ter sido convidado.
 
O emprego, a casa, a comida e o dinheiro estavam na linha de tiro do dinheiro ensandecido.
 
Independente de quantas voltas a chave pudesse girar na fechadura, nada, nem ninguém, podia sentir-se em posição confortável naquele momento.
 
Não havia um centímetro de chão sólido no imaginário da sociedade.
 
Bolsas, bancos, fundos, grande conglomerados, políticos e justiça compunham diante da sociedade a caricatura de um enorme ladravaz.
 
Uma bocarra disposta a devorar até a última lasca da economia em benefício próprio. A ameaça do futuro resmungava sua língua pestilenta em cada esquina.
 
A estrutura bancária dos EUA era uma montanha desordenada de reputações em ruína.
 
Notícias de demissões faziam fila de espera nas manchetes de jornais.
 
Havia a percepção crescente de que as autoridades estavam à reboque dos acontecimentos, engasgavam com as notícias no café da manhã; rezavam à noite em silêncio pelo dia seguinte.
 
Números azedos rugiam para a economia diuturnamente sem que se erguesse uma voz capaz de comandá-los.
 
O monólogo dos tempos difíceis ia impondo sua ordem unida na frente da produção, do emprego e da política.
 
A percepção de que as rédeas escapavam às mãos que deveriam controlá-las fornecia a ração diária de ceticismo e pânico que engrossava a cintura do colapso econômico.
 
O relógio da crise adiantava seu despertar a cada dia.
 
O salve-se quem puder amplificado pela mídia  fornecia combustível à imolação coletiva.
 
Na semana em que Roosevelt assumiu a presidência dos EUA, o país tinha proporcionalmente o maior contingente de desempregados do mundo.
 
Mais de 14 milhões, número que somado às respectivas famílias equivalia a uma população maior que a da Inglaterra então.
 
A perda de confiança no futuro funcionava como uma empresa demolidora; milhões de marretas anônimas trabalhavam dia e noite para desmontar o que restava do alicerce social e econômico.
 
É nesse ponto que o timming das ações do governo – de qualquer governo – e, sobretudo, a natureza de sua comunicação à sociedade, faz enorme diferença.
 
Cada gesto, cada decisão, cada anúncio adquire uma dimensão estratégica; a forma como as providências são comunicadas, ademais de sua contundência, sobre a qual não pode pairar dúvida ou se revelam inócuas, ganha importância de variável histórica.
 
Uma crise tem um tempo certo para ser derrotada, ou derrotará o governo -- a produção e o emprego - que vacilar diante dela.
 
Nisso, sobretudo nisso, Roosevelt revelou-se o estadista cuja habilidade ainda tem lições a oferecer a seus pares nos dias que correm.
 
A primeira lição: a rapidez em ocupar a frente do processo; contemporizar é capitular.
 
E explicar, explicar, explicar. Explicar cada passo dado e sinalizar o seguinte.
 
Construir o caminho com a sociedade, em vez de comunicar metas etéreas e avulsas.
 
Em apenas uma semana de mandato ele tomou algumas decisões que não exorcizaram todos os demônios, mas foram afrontá-los em seu próprio campo.
 
Olhando esse momento histórico a partir de um mirante crítico, não se pode dizer que foram medidas acanhadas.
 
Hoje ainda elas sugerem tudo menos tibieza e hesitação diante do grande vendaval que se forma quando o pânico e o dinheiro se encontram numa mesma esquina.
 
Quantos dos atuais chefes de Estado teriam a coragem de anunciar hoje o que Roosevelt proclamou naqueles idos de março de 1933?
 
Os tempos são outros, é verdade.
 
A globalização tornou tudo mais difícil, justificam aqueles que ocultam sua hesitação nas dificuldades do presente para ofuscar o componente de coragem dos personagens do passado.
 
Mas o fato é que ao fazer seu segundo discurso à Nação, em 12 de março --note-se, o segundo grande discurso referencial em nove dias de mandato--  Roosevelt  trazia alguns troféus do primeiro round de uma luta que se estenderia até 1944, quando os EUA declararam guerra ao Eixo.
 
Só então, de fato, seu potencial produtivo pode, finalmente, ser acionado a plena carga para desvencilhar-se da recessão, graças às encomendas bélicas.
 
Muitos relativizam o alcance das medidas tomadas nos anos que antecederam esse momento.
 
Mas poucos lembram de se perguntar o que teria acontecido com o presidente democrata, reeleito quatro vezes (de 1933 a 1945), se a sua autoridade tivesse fraquejada nas primeiras horas, da primeira semana, nos primeiros cem dias do seu primeiro mandato?
 
É sobre isso que o governo brasileiro deveria refletir hoje em vez de se render a um dominó protelatório em que os desafios são terceirizados a um Bonaparte na expectativa de que ele dome o cavalo xucro da crise e depois o devolva encilhado e manso ao controle da sociedade.
 
Ontem, como hoje, o capital quer se livrar das amarras da história, livrar-se dos encargos trabalhistas, das greves, dos Morales, Lulas, Dilmas, Cristinas e de suas concessões sociais.
 
Se a globalização ampliou as condições para a utopia capitalista, o dragão afrontado por Roosevelt em 1933 exalava as mesmas obsessões. E, como hoje, talvez pior, o democrata também não dispunha de nenhuma ancora internacional na qual se amparar para enfrentar os mercados, seus exércitos e bombas de extermínio.
 
Seu valioso contrapeso era intuição política para atuar no vácuo da crise sem se deixar engolir por ela, mesmo quando hesitava.
 
Foi assim que fez um Congresso hostil discutir e aprovar, em um único dia, uma Lei de Emergência Bancária em rito fulminante, na quinta-feira, dia 9, seis dias depois da posse.
 
Estamos falando de Roosevelt, não de Lênin.
 
A Emergência Bancária facultava a ingerência estatal sobre todo o sistema financeiro público e privado dos EUA.
 
Repita-se, Roosevelt não pretendia liderar uma revolução bolchevique. Queria reformar a economia para que pudesse outra vez fazer prosperar o emprego e a produção, eliminar a fome e a miséria no seio das famílias.
 
Em 1933, Roosevelt sabia intuitivamente o que hoje é um consenso teórico, mas não político.
 
Para salvar o capitalismo de si mesmo, é preciso subordinar o crédito aos desígnios da produção, do emprego e do consumo.
 
Só a indução firme do Estado é capaz de fazê-lo em tempo hábil, antes que a epidemia recessiva se alastre e derreta o metabolismo econômico.
 
A Lei de Emergência dava ao Estado norte-americano essa faculdade e Roosevelt a exerceria com rapidez e apetite de um estadista.
 
Enquanto seus potenciais seguidores patinam na hesitação, há 82 anos, no longínquo março de 1933, Franklin Roosevelt pode apresentar-se à Nação, apenas dez dias depois da posse, como um Presidente vencedor.
 
Ele havia enfrentado o foco da doença in loco, submetera o sistema bancário e vencera o primeiro round.
 
A incerteza fora duramente atingida.
 
No domingo, dia 12 de março –insista-se, apenas nove dias depois da posse--  estreou seu programa “Conversa junto à Lareira”.
 
Passaria a usar o alcance avassalador da radiofonia então para conversar diretamente com a sociedade.
 
Um bolivariano après la lettre.
 
O Presidente tinha o que dizer e milhões queriam ouvi-lo.
 
Sua palavra estava sintonizada com o espírito das ruas e viria reforçar a espiral da auto-confiança em diferentes setores e segmentos.
 
As filas no guichê dos bancos já não eram mais para sacar depósitos. Agora elas reuniam cidadãos trazendo de volta suas economias. O Estado devolvera a garantia aos pequenos e a segurança aos investidores.
 
Roosevelt foi além, na tarefa de devolver otimismo a uma sociedade acuada e sem futuro.
 
Não se limitou a medidas rotineiras, nem confiou o imaginário da sociedade aos “canais convencionais’ da mídia aterrorizante.
 
Cada vez que falava à Nação, a voz do democrata dizia coisas inteligíveis à angústia do pai de família que acordara empregado e fora dormir com medo da demissão.
 
Suas mensagens e políticas pavimentavam o longo prazo sem negligenciar a emergência.
 
Traziam respostas para o presente e assim injetavam solidez à marcha do futuro.
 
Multiplicar providências imediatas para sacudir a sociedade entorpecida pela incerteza e a descrença, esse foi o seu objetivo ao criar a Administração para o Progresso do Trabalho.
 
Com ela encarou o desafio de enxugar a inundação de desemprego que afogava as famílias, as cidades e o interior do país.
 
A mensagem era simples e convincente: os EUA foram divididos em zonas salariais; para cada uma delas fixou-se um seguro-desemprego; o governo passou a contratar até três milhões de trabalhadores por ano, em troca desse pagamento.
 
A nova força-tarefa semearia canteiros de obra pelo país; estradas, ruas, escolas, canalizações, hospitais, parques infantis, pontes, caminhos vicinais foram recuperados, expandidos e construídos.
 
A Administração para o Progresso do Trabalho ganhou um braço cultural.
 
Em um mês –sim, 30 dias-- inauguraria 100 mil salas de alfabetização com um milhão de adultos inscritos na luta contra o analfabetismo.
 
Artistas e escritores desempregados foram contratados.
 
Sua mobilização desencadearia uma revolução cultural ampliando as franjas de apoio progressista ao governo, taxado de comunista pela direita raivosa e a mídia cínica.
 
O Presidente também convocou a juventude. Milhares de jovens foram incorporados a serviços florestais dando vida a planos de replantio de matas, preservação e proteção de bosques.
 
O democrata austero continuou falando ao futuro e à angústia do presente.
 
Na Conversa ao Pé da Lareira de outubro de 1933, Roosevelt deu um aviso ensurdecedor aos ouvidos da crise.
 
Um aviso do Estado aos mercados selvagens.
 
Qualquer família norte-americana, disse, ameaçada de perder a casa em que mora, a terra, ou seus pertences por conta da crise, deve telegrafar imediatamente para a Administração de Crédito Rural ou à Companhia de Empréstimo aos Proprietários de Residência.
 
‘Ela receberá o auxílio de que necessita’.
 
Para além das discussões técnicas sobre a viabilidade ou não de um novo New Deal, sobretudo na periferia do capitalismo, há uma lição de extrema atualidade a extrair dessa prontidão exibida pelo governo democrata de Franklin Roosevelt.
 
Ele tinha a exata noção de que, diante da lógica de uma crise, o Estado não pode se entregar à  busca de indulgência. Antes de sensatez, a rendição nessas circunstancias agrava a  escala dos problemas e contrata mais incerteza.
 
Fiel ao paradigma do desassombro, associado ao realismo, em vez incorporar o turbilhão da desintegração social, Roosevelt foi além.
 
Convocou os trabalhadores a se organizarem em sindicatos, concedendo incentivos e promulgando decretos que legalizariam a maciça sindicalização dos assalariados norte-americanos.
 
Ademais de afrontar a lógica dos mercados ensandecidos, portanto, o legendário presidente norte-americano fomentou uma organização correspondente da sociedade.
 
Intuitivamente, apesar de domar os mercados com a rédea curta da ação estatal, ele sabia que nenhum país sai de fato de uma crise histórica sem um protagonista social que o conduza.
 
Foi excomungado pela direita, acusado de comunista pela mídia conservadora.
 
Seria reeleito mais três vezes pelos norte-americanos.
 
Há o que aprender ainda com Franklin Roosevelt.



Quando o governo faz a diferença - Carta Maior